Os tempos não eram fáceis, Dora estava na residência e vivia tão cansada que nem sabia se estava viva ou não, parecia mais um zumbi moribundo, não levantava nem os pés mais. Eram 23h de um sábado e seu telefone zumbiu na mesinha de cabeceira, atendeu ainda de olhos fechados, sem nem saber se era alguém do hospital, seus pais que viajavam para a Europa e tinham a estranha mania de achar que não existia fuso horário ou algum telemarketing fora de hora.
- Alô? – disse sonolenta.
- Doooooora! – dizia sua irmã do outro lado, claramente alcoolizada.
- Carol? – falou confusa, era cedo para que ela estivesse naquele estado.
- DORA, VOCÊ PRECISA VIR AQUI CORRENDO! – ela falava com urgência, o que fez com que Dora levantasse e começasse a se arrumar.
- O que aconteceu, Carol? – ela tentava entender o motivo da ligação.
- O VINHO, ABRIU, CORTOU A MÃO! – ela insistia em dizer em alto e bom som.
- Cortou muito fundo? – Dora perguntava com paciência enquanto verificava Malu dormindo no quarto ao lado.
- Cortou, cortou fundo demais – disse a irmã – Sangue pra todo lado, o pano está encharcado – soltava informações difusas.
- Eu chego aí em alguns minutos, Carol, vou ver se Grazi pode ficar com a Malu e corro pra aí – era literalmente correr, na época morava na mesma quadra dos pais, dois ou três blocos de diferença – enquanto isso faz pressão, bastante pressão no ferimento! – orientava a irmã.
Desligou com Carol e correu pra Grazi, pedindo que ela ficasse com a Malu e mesmo cansada a amiga não negou ajuda e se instalou, ainda que de pijama, em sua sala de tv, atenta a qualquer choro da pequena.
Ao sair de casa, deixar a sua filha, ainda bebê, sozinha com sua amiga, Dora sentiu um aperto, talvez pelo cansaço, talvez por não saber se realmente conseguiria ajudar sua irmã, mas o fato é que carregou consigo o seu super kit de primeiros socorros que tinha no seu carro, já imaginava que teria que fazer uma sutura.
- Carol? – chegou abrindo a porta com sua própria chave – O que aconteceu? – e entendeu, no minuto que viu a quantidade de garrafas de vinho na mesa de centro da sala, almofadas jogadas no chão e sapatos de lado que Carol não estava só, não que ela acreditasse que em pleno sábado a noite sua irmã ficaria sozinha, ainda mais com os pais viajando e a casa completamente livre.
- Aqui! – gritou Carol de dentro da cozinha.
- Chegou a salvadora dos bêbados e aloprados! – disse Diogo, amigo de Thiago, o tom brincalhão gerou gargalhadas entre os presentes, inclusive em Dora.
- Eu me machuquei – disse Liz rindo e mostrando a mão direita completamente enrolada em um pano ensanguentado.
- Percebi... – Dora se encostou do lado dela e retirou o tecido com calma, observando o largo corte – Como que você conseguiu isso? – perguntou.
- Foi abrindo o vinho – ela disse.
- Com um facão? – Dora riu – Como assim?
- Eu fui cortar o lacre com aquela faca ali ó – apontou para uma das facas de cozinha de sua mãe, agora deixada de lado, mas que tinha um tamanho completamente desproporcional para uma garrafa de vinho – e aí ela escorregou e veio na minha mão...
- Você tentou abrir o vinho como aquele povo que abre espumante e deu nisso? – Dora tentava entender a necessidade da faca enorme para uma atividade tão simples.
- Não! Era só pra... – ela tentava explicar, mas as cutucadas de Dora no ferimento a faziam parar de falar – Ai!
- Anh, era só pra? – Dora perguntava ainda curiosa.
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Caminhos Cruzados
RomanceNarrar uma história é, de certa forma, brincar com a imaginação e organizar o tempo e as palavras. Em Caminhos Cruzados, os tempos se misturam e dançam em sua própria música. Dora, Liz , Carol e Thiago dão o tom dessa jornada e descobriremos junto...