Tal qual um cata-vento movimentado pelas lufadas de ar, trepidando colorido, inseparável do tempo, das rotações e do movimento, Dora e Bruna seguiram no ritmo da vida. Namoro adolescente, reclamações infindáveis de professores, salas separadas, cursinhos, amigos da Dora, cinemas, provas, vestibulares. Vida na sua mais simples forma de ser, cheia de compromissos, expectativas e planos.
Planos que foram sendo abandonados, construídos, pensados e repensados em tardes de piquenique com toalhas em cima de gramas e risos frouxos soltos no ar, misturados com o amarelo de fim de dia.
- E se... – Bruna começou a falar e logo se percebeu suas bochechas corarem.
- E se? – Dora perguntou arrumando os fios de cabelo que tinham sido levados ao rosto pela brisa.
- E se a gente morasse juntas? – Bruna riu da própria ideia como se ela fosse absurda.
- A gente? Que? – Dora não conseguiu segurar o misto de graça com incredulidade.
- É... Não agora – Bruna se explicava – Nem amanhã, mas... – deixou a voz morrer baixinho e viu Dora tirar os olhos dos seus e encarar o céu.
- Hum – foi o som que ela emitiu e Bruna esperou, sabia que algo viria dali – Morar junto tipo dividir casa e acordar junto todo dia? – ela perguntou voltando a encarar uma Dora que olhava fixamente as árvores na sua frente.
- Acho que isso é morar junto, não? – perguntou olhando distante as copas balançando com a brisa que corria no parque.
- Você está me pedindo em casamento? – Dora se sentou na toalha carmim e encarou os olhos de Bruna com profundidade – É isso? – sorriu se dando conta da imensidão do pedido.
- Não... Assim não... É que... – Bruna ficou sem graça e vê-la sem palavras fez com que Dora se aproximasse e lhe desse um beijo.
- Claro que sim – disse baixinho – A gente pode fazer isso, seja lá o que isso for... – Deu de ombros e viu a tensão de Bruna se desarmar.
Como um bom plano traçado, esse também esperou seu tempo certo para acontecer. Os ventos, antes de serem matrimoniais, foram estudantis, festivos e cheios de viagens e aventuras pelo mundo.
- Chile! – Bruna leu o papel recém-aberto e retirado do pote do sorteio.
- De novo? – Carol dizia quieta no canto da sala.
- A gente não foi ainda ao Chile – Dora respondia à irmã.
- Tenho quase certeza de que sim – Liz enchia os copos de cerveja na mesa.
- Não, não! – Dora reafirmava e olhava Bruna ainda fitando o papel concentrada.
- Fomos rapidinho só – Bruna disse – Em 2005?
- 2005 a gente foi para Argentina, não? – Dora já não estava segura da sua convicção.
- Não! 2005 a gente foi para o Uruguai, ficamos na casa daquela família estranha – amassou o papel e jogou em um canto da mesa, pegando o copo e tomando um longo gole de cerveja.
- É? Acho que mochilar muito, a gente andava o dia inteiro, a Bruna não tinha nenhum senso de descanso, e comer pouco me fez criar poucas memórias afetivas daquela viagem – Dora gargalhou.
A tarde se esvaiu entre garrafas abertas e histórias de terceiros em tons de fofoca, a noite já estava chegando, o horizonte marcava o fim do dia com suas nuvens enormes que escondiam o restinho de Sol. No canto, perto da janela, Liz contemplava o movimento lento de pessoas caminhando, cachorros passeando, um domingo quase sem graça.
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Caminhos Cruzados
RomanceNarrar uma história é, de certa forma, brincar com a imaginação e organizar o tempo e as palavras. Em Caminhos Cruzados, os tempos se misturam e dançam em sua própria música. Dora, Liz , Carol e Thiago dão o tom dessa jornada e descobriremos junto...