ALI

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Bruna despertou tensa, os pais passavam pelo divórcio mais barulhento e confuso que ela conhecia. Era sábado, passava bem pouco das dez horas da manhã, mas havia sido acordada com a voz da mãe reclamando ao telefone, falava sobre algo que seu pai não havia feito ou sido, a diferença entre as coisas já tinha pouca importância, não era algo que ela prestasse tanta atenção.

O pai não tinha lá uma grande participação na sua vida, nem quando eram casados e agora, que havia mudado de cidade, menos ainda. Mas se sentia como uma estranha parte da vida do pai, como se nunca tivesse existido mesmo uma relação entre eles. Lembrava claramente dos acampamentos, das viagens pelo interior, a explicação longa sobre como o solo mudava em determinadas situações e o que isso significava. Mas isso parecia distante, talvez pelo fato de que os pais, antes de se separarem, já não tinham uma rotina juntos, seu pai vivia viajando, estava em campo, fosse em pesquisa ou em trabalho, era geólogo. Sua mãe tinha uma rotina que as aproximava, era professora da universidade, e apesar da quantidade de trabalho, conseguia estar com a filha, tinham por tradição ver filmes aos domingos, almoçar sempre que podiam e conseguiam, fazer compras juntas.

- Oi Bruna, tem fruta – disse apontando para a feira recém feita em cima da mesa e indicando que a filha guardasse – Tava falando com a advogada, seu pai não assinou ainda os documentos, acredita?

- Hum... – disse Bruna pegando sacolas e separando o que iria para a fruteira em cima da mesa, o que iria para a geladeira – Ele tá em campo, mãe.

- E daí? Devia ter assinado antes, né? É impressionante... – e Bruna desligou-se completamente do discurso da mãe – Eu sei, sabe, que a pesquisa.... – A mãe falava e Bruna pegava palavras no ar como quem ouvia um carro com um alto som indo e vindo.

- Mãe, me leva em uma festa hoje? – disse interrompendo completamente a fala da mãe e fazendo com que ela se calasse.

- Festa? Onde? Liz vai? – emendou as três perguntas em alta velocidade.

- É. De uma menina da escola, em um clube ali perto do lago... Liz vai – disse e não parecia tão animada.

- Levo. É pra passar na Liz? – perguntou já organizando a logística do caminho e trânsito.

- Nem sei... Acho que ela vai com a Clara – Bruna falou enquanto tirava a casca de uma tangerina, sentada à mesa, contemplando as gotículas voando a cada puxar.

- Clara é aquela menina que ela estava namorando? Aquela magrinha esquisita?

- Ai mãe! Sim, é a mesma de sempre, não acaba nunca... – disse revirando os olhos.

- Parece que a mãe da Clara criou confusão na reunião de pais – disse a mãe – Não quer a filha lésbica – riu – Como se fosse querer, né?

- É, a mãe tá forçando uma mudança pra Rondônia? Roraima... Não sei direito.

- Tudo por conta desse namoro? – a mãe perguntou incrédula.

- É... Acho que é, não sei, não sou muito próxima dela. Liz deu uma sumida também...

- E com quem você vai pra essa festa afinal?

- Dora – disse enquanto colocava um gomo de tangerina inteiro na boca de modo que não tivesse que explicar o que era Dora para a mãe.

O que era Dora, se perguntava tanto quanto a mãe, enquanto mastigava tentava formular uma resposta simples de "uma menina da escola", mas a mãe ficaria preocupada dela ir para uma festa com alguém tão genérico, "minha amiga"? Mas não eram tão amigas assim, nem eram ficantes e muito menos namoradas. O que eram? Eram duas pessoas interessadas? Não, ela era interessada, Dora dava sinais confusos. Não sabia como descrever o que era Dora na sua vida naquele momento e ao engolir a tangerina mais mascada de todas, proferiu um:

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