TUDO O QUE VOCÊ PODIA SER

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Santiago se tornava cada vez mais fria conforme o Sol ia desparecendo, dava lugar às luzes dos postes, João sabia que não haveria como fazer isso de modo fácil, Bruna, sua filha, estava ali, tão perto fisicamente que não existiria desculpa que lhe mantivesse distante. Em parte desejava que Sônia não o tivesse telefonado, seria mais fácil telefonar depois, perguntar o que havia acontecido e se surpreender que a filha tivesse ido até bem perto. Telefonar, repetia para si mesmo, enquanto fumava tentava recordar a última vez que haviam conversado, nem as banalidades tinham mais rotina entre os dois.

Pensava consigo que o que havia levado de um divórcio conturbado havia sido um dano irreparável na relação com a própria filha, tinha ciência de que não havia feito nada para que ele existisse, mas também não havia feito muito para que fosse superado, ele só estava ali nos silêncios de longos segundos nas ligações que antes eram semanais, depois mensais e hoje já nem se podia determinar algum tipo de periodicidade.

Suzana havia insistido que fosse até o hotel, que fizesse algum tipo de convite, queria conhecê-la, mas João tinha certeza de que não seria assim como a esposa desejava, das poucas coisas que sabia da própria filha uma delas era de que ela não gostaria de nada daquilo, nem do encontro inesperado e muito menos de um convite que não pudesse negar veementemente. Lembrava da garota ainda criança e seus calendários marcados de canetinhas coloridas, as idas e vindas do pai eram sempre registradas de modo a não esquecer ou mesmo ter surpresas desagradáveis com despedidas não preparadas.

Sentiu o ar invadir os pulmões, jogou a bituca de cigarro no chão e a amassou, colocou as mãos nos bolsos e passou pelas largas portas hotel, se dirigindo ao jovem rapaz de terno vinho da recepção, tomou coragem e perguntou por Bruna. Avaliando o senhor ali parado, o rapaz conferia no monitor e tentava contato telefônico com o quarto, João sentia que a ansiedade ia lhe tomando conta, não sabia se desejava que ela estivesse ou que simplesmente a visita não desse em nada, assim teria para si que havia pelo menos tentado.

- Pai? – ouviu a voz da própria filha e se virou.

- Ah, oi! – disse sem graça – Gracias – agradeceu o recepcionista que sorriu gentilmente – A sua mãe me ligou e...

- Ah, ela te ligou – Bruna disse desconcertada e claramente perdida.

Observava com calma as expressões do próprio pai, havia novas rugas em torno dos olhos, a barba estava maior do que lembrava e com fios brancos, os cabelos continuavam bem cortados. Nem quando passava meses em campo, chegava em casa sem os cabelos cortados ou com a barba desgrenhada.

- Ela ligou e me disse que você, quer dizer, que vocês estavam nesse hotel – disse olhando pela primeira vez para Dora, que sorriu sem graça – Você deve ser a...

- Dora, prazer – estendeu a mão.

- Você quer ir subindo? – Bruna disse para Dora, imaginando que ela estava completamente perdida ali.

- Pode ser, claro. Quer que eu leve sua mochila e suas coisas?

- Eu não quero atrapalhar vocês, eu só pensei em te ver – mentiu pela primeira vez naquela noite, sabia que estava atrapalhando, mas a maior mentira era de que havia pensado em ver a própria filha, se sentia mais obrigado por Sônia e Suzana.

- Não, tudo bem, a gente ia descansar agora – Dora sorriu tentando quebrar o desconforto que se estabelecia.

- É. A gente precisou voltar mais cedo, mas a gente pode ir tomar uma cerveja, que tal? – Bruna disse de uma vez.

- Ótimo! Você quer se arrumar ou já vamos? – o pai questionou olhando calmamente para a filha – Eu posso esperar aqui e a gente vai, você também, Dora, vamos? – disse estendendo o convite.

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