SANGUE LATINO

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A porta pesada se abriu, um calor abafado fugiu do espaço onde as pessoas se amontoavam e dançavam em meio às luzes coloridas. Dora abriu os olhos e Liz um largo sorriso. Liz a puxou para dentro, se deram as mãos e os traços de uma cumplicidade quase esquecida surgiram magistralmente. Cantavam a pleno pulmões que juraram mentiras e seguiam sozinhas, que assumiam os pecados. Liz improvisou um microfone com a própria mão durante o refrão. Dora a olhava intensamente e enquanto as frases da música seguiam e Liz abria os braços, sentindo cada pedaço da letra que conheciam de cor, as lágrimas se formaram de novo, insistentes, irremediáveis.

- Ei, você tá bem? – Liz rompeu toda a empolgação ao vê-la chorando.

- Sim. É só...

- É bom, né? – Liz abriu um largo sorriso.

- É, pra caralho. Porra, Liz. – Dora disse enquanto enxugava as próprias lágrimas.

A música já havia mudado e a nostalgia continuava. O sentimento impregnado de saudade estava ali.

- Esse DJ tá fodendo a gente – Dora disse rindo ao ouvir Sujeito de Sorte e ouviu Liz gargalhar.

- Tá complicado mesmo. Mas a culpa é mesmo do DJ? – disse semicerrando os olhos.

- Eu acho que sim – Dora brincou – Tenho certeza que ele que não sabe se comunicar com a ex e agora está colocando só as músicas mais difíceis.

- Dora...

- Hoje não, por favor – Dora pediu.

- Hoje não. Mas...

- Liz – se aproximou do ouvido dela – Deixa eu só... – suspirou – Matar a saudade de você.

- No ouvido, Dora? Porra, Dora. – Liz reclamou e Dora riu – Você ainda vai me matar, garota. – Disse olhando para o teto onde o globo espelhado girava distribuindo quadradinhos coloridos por todo o lugar.

- Talvez – brincou – Mas hoje não  – apertou a mão de Liz e começou a se dirigir para fora da pista de dança.

- Ei! Eu não disse que não. – Liz deu de ombros sorrindo.

- E nem disse que sim e eu entendo. – Dora respondeu rapidamente.

As duas sabiam que a ideia era péssima, os inúmeros problemas não ditos estariam ali no primeiro minuto do dia seguinte.
Era imprudente.
Era irresponsável.
Na cabeça de Liz girava a fala de sua mãe sobre ela ter escolhido o rumo da própria vida e ter assumido os riscos. Ela estava cansada de assumir riscos, mas era Dora, o risco mais calculado, o risco mais arrebatador. Suspirou e puxou Dora.

- Você sabe que é uma péssima ideia... – disse no ouvido de Dora.

- A pior de todas. – Ela respondeu e Liz soltou uma gargalhada.

- A gente pode pelo menos discutir os termos disso, seja lá o que for isso, lá fora? – Liz disse.

- Hum... Claro – Dora deu de ombros.

Elas saíram e Liz não teve coragem de desfazer o toque no braço de Dora. A porta pesada se fechou atrás enquanto as batidas de Lindo Lago do Amor expulsavam os mais jovens e atraía os mais velhos entrando com a mesma empolgação de Dora e Liz minutos atrás.

- Meu Deus, DJ, tenha dó! – Dora riu.

- Os jovens devem odiar essa pessoa – Liz disse vendo os grupos saírem enquanto elas tinham se colocado em um canto qualquer do lado de fora.

- Certamente. Quem canta "ele tomou um banho de água fresca no lindo lago do amor" e tem menos de 30 anos, Liz?

- Acho que eles escutam esses sintetizadores e uma dancinha morre numa rede social qualquer – gargalharam juntas.

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