PARADEIRO

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O ritmo de uma campanha exigia compromisso, era como um casamento. O papel que Thiago assumia sempre lhe dava a sensação de que havia dito "Sim" no altar. Um altar cheio de gente, com votos de um futuro bonito e recheado de expectativas. Às vezes terminava com a descida de uma longa escadaria, em frente a uma igreja, vários apertos de mãos e chuva de arroz, às vezes em sentimento de fracasso. Tal qual casamentos.

A reta final exigia mais de todos, os últimos votos, as últimas pesquisas. Para Thiago a reta final era, por si só, a luz no fim de um túnel e logo começaria um novo momento, menos apreensivo. Para ele, o ano inteiro lhe exigia mais. As análises de conjuntura começavam já no fim do ano anterior, o pula para cá e para lá de partido, a escolha de estratégia. Uma campanha começava bem antes da própria campanha.

Thiago estava exausto, não só por aquela campanha em si, mas pela própria vida que tentava seguir mesmo sufocado. Não tinha energia e nem paciência para encontrar pessoas, os aplicativos lhe notificavam novos interesses, mas os ignorava sempre. Diogo lhe cobrava presença, mas quando pensava em sair e conhecer pessoas novas lhe dava um profundo desânimo, em parte porque sabia que lhe faltava saco

– Como assim não tem posicionamento claro? – disse irritado olhando o celular – Essa sua classe jornalística, Liz, pelo amor de Deus!

– O que aconteceu agora? Lembra que hoje me divido entre revisar os artigos do jornal e a campanha.

– Não, não é nada que você tenha que resolver. É só... Dá preguiça algumas coisas, né? – entregou um pacote pardo como se fosse um lanche.

– Que é isso? – Liz perguntou sem entender.

– Tapioca da Dona Neide. Ela é muito sua fã para esquecer seu café da manhã – sorriu.

– Uh! – Liz comemorou – Eu que sou fã dela. Melhor tapioca! Vou ter que ligar agradecendo já, já.

– Se ela parar de ir à minha casa, Liz... A nossa amizade...

– Ei! Eu que te indiquei, como assim a nossa amizade?

– Bom dia, gente – Carol chegou sem entender bem o que acontecia.

– Oi, Carol! Thiago, não seja ridículo! – Afirmou continuando a conversa.

– Malu tá muito fofa! Você não acha? – Carol dizia mostrando para Liz a foto dela toda suja de melancia.

– Está mesmo. Tá enorme! – Liz disse com um sorriso triste.

– Dora ainda está te ignorando, amiga? – Carol perguntou ao perceber a expressão de Liz.

– Quando alguém não te responde, acho que a resposta é sim. Mas nem sei direito. Parece mais um tratamento silencioso estranho.

– Ah, a fase é meio complicada mesmo. E você sabe como é a Dora, né? Ela fica lá no alto do pedestal de Dora, às vezes parece que nada abala, nada movimenta os planos traçados – Carol deu de ombros.

– Hum. Mais ou menos, né? – Thiago disse e recebeu o olhar curioso das duas – Ah, gente, como não se abalar quando sua ex te abandona com uma bebê, vai embora, você fica com uma residência médica pra acabar e um pedacinho de gente pra criar?

– Quem é pedacinho de gente pra criar? – perguntou Wagner, o que fez Thiago revirar os olhos pela intromissão.

– Ninguém. Diga lá, o que te faz descer do alto escalão partidário e vir até os reles mortais da campanha eleitoral? – Thiago questionou.

– Você que escolheu ficar aqui, lembra que sua cadeira no alto escalão da campanha é cativa, e eu vim te buscar para uma reunião.

– Não tem nada na agenda, o que aconteceu?

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