CERTAS COISAS

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Se alguém, naquele dia que nem era tão ensolarado assim, contasse para Liz que ela conheceria uma menina de cabelos cacheados, com interesses considerados estranhos para toda a quinta série da escola, e que essa garota se transformaria em sua melhor amiga, ela não acreditaria nem um pouco. Não porque não fosse possível, mas por saber que nada ali, naquela escola, naquele dia, seria legal.

- Eu odeio essa roupa – dizia emburrada no banco de trás do carro e procurava os olhos da mãe no espelho retrovisor do carro.

- O que você odeia nessa roupa? - perguntou Vera.

- Tudo! - disse cruzando os braços - Olha isso – apontou para um pequeno detalhe da camiseta vinho.

- É só um desenho, Liz, não precisa...

- Um desenho não. Um desenho feio! - dizia com a mesma veemência.

- Minha filha, mudar de escola é difícil, mas você vai conhecer pessoas novas e...

- Eu odeio pessoas novas – olhava para fora e assistia as placas passando, acompanhava pessoas nas ruas totalmente alheias ao seu sofrimento.

- Liz... - a mãe se virou enquanto o semáforo estava fechado – Mudar as vezes é a melhor coisa que pode acontecer na nossa vida.

- Melhor coisa... - resmungava baixinho

- Se você não gostar mesmo da escola, a gente conversa sobre trocar – a mãe disse para acalmá-la.

- Se você não gostar – ela começou a imitar a voz e soube que não seria uma boa ideia - Tá - se limitou a falar.

- Vai ficar tudo bem – a mãe disse enquanto procurava o olhar da criança sentada no banco de trás pelo retrovisor - Você vai conhecer novas amigas e amigos e...

- Eu não quero! - disse piscando longamente em claro sinal de desprezo pela ideia.

- Tá bom – a mãe respondeu e só se ouviu as propagandas da rádio com uma música aqui e ali, entre um anúncio de supermercado e de um grande show que aconteceria.

Liz desceu do carro tão irritada que nem queria esperar a mãe para entrar na nova escola, que de nova, segundo ela mesma, não tinha nada. Tudo, aos olhos de Liz, parecia feio, velho e ruim, era como se o mundo não pudesse ser feliz desde que sua melhor amiga tinha se mudado para outra cidade.

A mão da mãe que ela dispensou, o foco nos sapatos escuros e no cadarço colorido que fez questão de colocar, os olhos que passeavam entre bancos e pessoas, Liz se perguntava como seria estar ali. No fundo sabia que não ia conseguir odiar todo mundo a todo instante, mas não sabia como lidar com a frustração de não ter mais aquele seu pequeno mundo em que conhecia todos os funcionários, professores e espaços. Queria, só mais um pouco, a sensação de segurança de ser da turma dos mais velhos e que conheciam cada marca de fita nas paredes das cartolinas e papéis crepom de dias mais festivos da escola que estudara desde sempre.

- Mãe, e se... - disse tentando conter o medo de que se transformavam em uma emoção que não queria ter que lidar ali. Não ali.

- Se você tiver qualquer problema, eu venho te buscar – disse a mãe sabendo que a filha estava angustiada, os olhos da garota diziam mais do que ela queria falar.

Liz assentiu, odiava a mãe por mudá-la de escola, todos os colegas e amigos foram para a mesma escola, ela não, ela teve que vestir um uniforme que odiava em uma escola enorme e cheia de gente que ela não conhecia.

- Seu cadarço está desamarrado – disse a garotinha apontando para o pé de Liz.

- Ah... Fica assim mesmo – ela deu de ombros, esquecendo todas as defesas que havia feito na tentativa de não fazer novos amigos para que não traísse a sua melhor amiga.

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