Thiago se olhava no espelho como quem procurava qualquer detalhe defeituoso, um cabelo fora do lugar, uma linha perdida no terno. Se demorava no espelho criteriosamente averiguando sua aparência, o dia não pedia por menos. "Diogo e Fernando se conheceram do modo mais comum entre os gays" repetia seu discurso mentalmente, pensava em tom de voz, não queria dar ideia de insegurança ou tremedeira. Aproveitava para ponderar se era razoável contar como os dois realmente se conheceram no dia do casamento deles. Respirou fundo e achou que teria um tom cômico e por isso ficaria tudo bem, também não era segredo para ninguém que gays frequentam baladas e aplicativos de pura pegação.
Como padrinho, se preocuparia com detalhes, pelo menos era essa a ordem do noivo mais chato e criterioso do mundo: Fernando. Para Diogo não, tudo era festa, tudo era brilho e dança. Invejava a leveza com que o melhor amigo levava a vida, tinha uma pureza quase infantil em só viver. "Cadê você? Sou uma noiva neurótica" escrevia Diogo para o padrinho. "Nunca entendi o conceito de casamento, será que estou fazendo isso tudo pelos motivos certos?" mandou logo em seguida. "Fernando fica gostoso de terno, tem bebida, o DJ é nosso amigo e eu escolhi a maior parte das músicas da pista de dança... Acho que estou fazendo tudo isso pelos melhores motivos!!", completou sua reflexão e Thiago já imaginava a gargalhada no final disso tudo. O celular vibrava a cada mensagem e a dúvida era se respondia e acabava com o monólogo de Diogo ou o deixaria ali se enrolando nas próprias palavras.
Carol, mais nervosa que o noivo, também mandava mensagens sem parar. Era madrinha junto a Thiago e tinha grandes interesses em um dos padrinhos de Fernando, um rapaz que não tinha a menor chance de ser hétero, mas que ela cegamente insistia em tentar a sorte. "Você acha que esse vestido tá bom?" mandava fotos como se houvesse tempo para trocar alguma peça de roupa, sapatos ou mesmo acessórios. A realidade é que ela já havia pensado em tudo há pelo menos 15 dias e não fazia o menor sentido tais dúvidas faltando três horas para o casamento.
"Carol, está ótimo! Relaxa!" digitou e enviou, não conseguiu responder o que realmente pensava.
"Você viu o boy? Achei ele muito meu número", ela insistia nessa louca tese de que teria alguma chance.
Refletiu sobre as expectativas alheias e pensou que teria a dificuldade de ser gay solteiro em um casamento gay. Não tinha intenções de formar casal e achava que, digamos assim, casamentos animavam o romance. Mas para ele o mundo gay não era assim, romance era algo muito distante e quem desejava isso teria certamente muito trabalho pela frente. Suas intenções eram claras, queria curtir e festejar, com alguns tons de tristeza, que seu grande amigo tinha enfim se casado. Se perguntava ali, antes mesmo de sair de casa, como ficaria a relação com Diogo. Se continuariam parceiros de baladas, se continuaria tendo alguém próximo e talvez o único tão próximo assim, além de Carol e Liz. Mas com Diogo tudo fluía diferente, ele sabia disso e talvez por isso a ideia de ter seu amigo ocupado com uma vida que ele não entendia lhe causava receio. Sacudiu a cabeça como quem espantava as ideias penduradas e disse a si mesmo que não seria naquele dia que iria questionar coisas do tipo e nem ter medo do futuro. Uma coisa de cada vez, repetiu mentalmente e respirou fundo, já conferindo suas coisas e indo rumo ao local do casamento.
- Oi Diogo! – atendeu impaciente – Já estou saindo de casa, respira – disse mais uma vez.
- Vou fugir, traz o carro – um Diogo sério dizia do outro lado da ligação.
- Que história é essa, Diogo, para com isso – repetiu rindo, acreditando que o amigo estava brincando.
- Tô falando sério, Thiago – disse em um tom tão sério que Thiago começou a se preocupar – Eu não sei se quero essa vida... Fernando... E... – Não conseguia respirar e tudo que Thiago pensava era que devia ser uma crise de ansiedade. Já tinha tido as suas, reuniões de partido, cobranças de políticos graúdos, apresentações surpresas e até mesmo supostos inquéritos policiais, ou quando foi chamado a depor sobre um suposto esquema de lavagem de dinheiro. Seu coração se apertou no minuto que lembrou como era se sentir assim.
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Caminhos Cruzados
RomansNarrar uma história é, de certa forma, brincar com a imaginação e organizar o tempo e as palavras. Em Caminhos Cruzados, os tempos se misturam e dançam em sua própria música. Dora, Liz , Carol e Thiago dão o tom dessa jornada e descobriremos junto...