MÁTRIA

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Liz já estava no quarto, mas bastante sonolenta, pelo menos era o que a mensagem de Grazi informava a Dora, que estava ponderando se tentava descobrir, da sua própria forma e com seus próprios meios, a situação de Liz ou se saber menos nesse caso seria melhor, pelo menos até ligar para Vera. Ela sentiria, com toda certeza, a tensão na voz de Dora e saberia, ou presumiria que sabia, tudo que estava acontecendo.

Enquanto procurava o número na galeria de contatos do celular, imaginava o início da conversa com a mulher que poucas vezes viu na vida, mas em todas elas tinha algo profundamente místico a dizer. Lembrava bem pouco dos traços de Vera, era difícil dizer se ela tinha alguma pintinha na face, mas lembrava marcadamente do olhar dela, do castanho claro profundo que penetrava as pessoas com quem ela conversava. Era de uma firmeza no olhar que assustava os desavisados, mas de um acolhimento em ações e abraços que amansava qualquer primeira impressão.

- Alô? – Vera respondeu com clara voz de sono.

- Vera, é a Dora – disse envergonhada.

- Dora? Minha filha – a calma invadiu a ligação – Como você está?

- Eu estou indo, Vera. E você? – Dora sabia que ela jamais aceitaria uma notícia de supetão, o tempo com Vera era outro.

- Bem, com bastante trabalho por aqui – disse e Dora sentiu o coração apertar em dar a notícia de que sua filha tinha sofrido um acidente – Qual angústia lhe aflige para que me ligue a essa hora, menina?

- É que... – um bolo se formou na garganta de Dora – Bom, Vera... – ela tentava a todo custo engolir o choro e ao mesmo tempo assumir o papel de portadora de notícias.

- Um instante, Dora – ela pediu ao telefone – Acho que preciso me sentar – disse rindo levemente.

Enquanto Dora esperava silenciosamente na ligação, ouvia os chinelos ecoarem no chão da casa silenciosa, o arrastar do telefone fixo até ser pousado a força na mesa e o puxar de uma cadeira riscando o chão.

- Diga, minha querida. O que aconteceu? – a voz era calma, quase resignada.

- A Liz, Vera. Ela... – tentou mais uma vez e o volume estranho a sufocou de novo, tentou engoli-lo, mas não era tão fácil, parecia que ele ganhava mais e mais resistência conforme o tempo passava. O silêncio repousava entre as duas.

- A Liz está bem? – Vera disse calmamente.

- Agora sim, Vera. A Liz se envolveu em um acidente de carro e está no hospital – Dora conseguira cuspir tudo de uma vez.

- Agora entendi a aflição... Bom... – Vera ponderava o que fazer a seguir enquanto segurava o telefone com os ombros, as mãos estavam cruzadas, via o caminho de mesa bordado em detalhes, lembrava daquela pequena mancha amarelada que insistia em permanecer, como uma resistência da história.

- Ela está estável – Dora enfim conseguia falar sem ser incomodada com as próprias emoções –Os exames foram feitos e agora ela está em observação, por precaução.

- Liz não me ligou durante toda essa última semana, sabia? – Vera confidenciou como se houvesse algum outro assunto a ser falado que não o acidente da própria filha – Ela estava desconectada de mim, de si, de tudo – disse de modo quase distante da própria ligação, mais falava consigo mesma do que com Dora, a interlocutora.

- Foi um acidente simples – Dora tentava explicar os acontecimentos de modo a trazer Vera ao momento, não conseguia entender o diálogo que estava se desenhando entre elas.

- O acidente deve ter sido mesmo, mas o que virá não será simples para Liz – Vera assumia a postura mística profética.

Dora ouviu a frase intensa de Vera e olhou para o teto, não estava dando conta nem do que aconteceu direito, jamais conseguiria pensar naquele instante no que viria pela frente.

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