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Jovem: Certo, mas ainda há um porém. É a afirmação de que “todos os problemas têm base nos relacionamentos interpessoais”. Entendo que o sentimento de inferioridade seja uma preocupação criada a partir dos relacionamentos e tenha efeitos sobre nós. E vejo lógica na ideia de que a vida não é uma competição. Não consigo ver os outros como companheiros e, em algum lugar dentro de mim, penso neles como inimigos. Isso está bem claro. Mas o que me intriga é: por que Adler dá tanta importância aos relacionamentos? Por que chega ao ponto de dizer que todos os problemas são baseados neles?Filósofo: A questão dos relacionamentos interpessoais é tão importante que, por mais ampla que seja a abordagem, nunca parece suficiente. Da última vez, eu disse: “O que lhe falta é coragem de ser feliz.” Você se lembra?
Jovem: Eu não esqueceria mesmo que tentasse.
Filósofo: Então por que você vê as outras pessoas como inimigas e por que não consegue pensar nelas como suas companheiras? É porque você perdeu a coragem e está fugindo de suas “tarefas da vida”.
Jovem: Minhas tarefas da vida?
Filósofo: Sim. Este é um ponto crucial. Na psicologia adleriana, existem objetivos claros traçados para o comportamento e a psicologia do ser humano.
Jovem: Que tipos de objetivos?
Filósofo: Primeiro, existem dois objetivos para o comportamento: ser autossuficiente e viver em harmonia com a sociedade. Depois, os objetivos para a psicologia que respalda esses comportamentos são a consciência de que eu tenho a capacidade e a consciência de que as pessoas são minhas companheiras.
Jovem: Só um minuto. Estou anotando... Então existem dois objetivos para o comportamento: ser autossuficiente e viver em harmonia com a sociedade. E existem dois objetivos para a psicologia que respalda esses comportamentos: a consciência de que eu tenho a capacidade e a consciência de que as pessoas são minhas companheiras... Ok, entendo que este é um tema crucial: ser autossuficiente como indivíduo enquanto se vive em harmonia com as pessoas e a sociedade. Parece de acordo com tudo o que discutimos até aqui.
Filósofo: E esses objetivos podem ser alcançados se enfrentarmos o que Adler denomina “tarefas da vida”.
Jovem: O que são tarefas da vida?
Filósofo: Vamos voltar à infância para pensar na palavra “vida”. Durante a infância, somos protegidos pelos pais e podemos viver sem precisar trabalhar. Mas chega o momento em que devemos nos tornar autossuficientes. Não podemos depender dos pais para sempre, e, claro, também é preciso ser autossuficiente no sentido emocional e no sentido social. Também é preciso se engajar em alguma forma de trabalho – que não se limita à definição estrita de trabalhar em uma empresa. Além disso, no processo de crescimento, você começa a ter todo tipo de relacionamentos de amizade. Claro que a partir daí é possível desenvolver um relacionamento amoroso que pode até levar ao casamento. Caso isso aconteça, você começará um relacionamento matrimonial, e, se tiver filhos, nascerá um relacionamento entre pai e filho. Adler distinguiu três categorias de relacionamentos interpessoais que surgem desses processos: “tarefa do trabalho”, “tarefa da amizade” e “tarefa do amor”, e referiu-se a todas juntas como “tarefas da vida”.
Jovem: Essas tarefas são nossas obrigações como membros da sociedade? Ou seja, trabalho, pagamento de impostos, etc.?
Filósofo: Não. Pense nelas somente em termos de relacionamentos.
Quer dizer, a distância e a profundidade de nossos relacionamentos. Adler às vezes usava a expressão “três laços sociais” para enfatizar este ponto.Jovem: A distância e profundidade de nossos relacionamentos interpessoais?
Filósofo: As tarefas da vida são os relacionamentos interpessoais que um indivíduo é obrigado a enfrentar ao tentar viver como um ser social. São realmente tarefas, pois não existe alternativa senão enfrentá-las.
Jovem: Pode ser mais específico?
Filósofo: Primeiro, vejamos a tarefa do trabalho. Não existe trabalho, qualquer que seja, que possa ser realizado sem a ajuda de alguém. Por exemplo, geralmente estou aqui no meu gabinete, escrevendo manuscritos para um livro. Escrever é um trabalho completamente autônomo que não posso pedir que alguém faça por mim. Mas, quando termino de escrever, surgem as figuras do editor e de muitos outros profissionais fundamentais para a realização do trabalho, desde pessoas que lidam com o projeto e a impressão do livro até o pessoal da distribuição e das livrarias. Um trabalho que possa ser realizado sem a cooperação de outras pessoas é, em princípio, impossível.
Jovem: Em termos gerais, acho que sim.
Filósofo: Entretanto, quando observamos os relacionamentos interpessoais do trabalho do ponto de vista da distância e da profundidade, podemos concluir que são os que apresentam menos obstáculos. Eles têm o objetivo comum de obter bons resultados, e isso é fácil de entender, portanto as pessoas podem cooperar umas com as outras ainda que nem sempre se deem bem – até certo ponto, elas não têm alternativa. Quando um relacionamento se forma somente com base no trabalho, volta a ser um relacionamento com um estranho quando o horário do expediente acaba ou a pessoa muda de emprego.
Jovem: Sim, é verdade.
Filósofo: E as pessoas que fracassam nesse estágio dos relacionamentos são jovens que nem estudam nem trabalham ou pessoas que vivem confinadas em casa e não saem por nada.
Jovem: Hã? Espere aí! Você está dizendo que elas não procuram trabalhar porque querem evitar os relacionamentos interpessoais associados ao trabalho, e não porque simplesmente não querem trabalhar ou se recusam a realizar trabalhos braçais?
Filósofo: Deixando de lado a questão de as pessoas estarem ou não conscientes disso, os relacionamentos interpessoais estão no núcleo das relações de trabalho. Por exemplo, um homem envia seu currículo para todas as vagas que encontra e até é entrevistado, mas recebe não atrás de não. Isso fere seu orgulho. Ele começa a refletir sobre qual o sentido de trabalhar se precisa passar por essas situações. Outro homem comete um erro grave no trabalho. A empresa vai perder um fortuna por causa dele. Desesperado, como se tivesse mergulhado na escuridão, ele não consegue se imaginar indo para o trabalho no dia seguinte. Nenhum desses exemplos se refere ao trabalho em si se tornando desagradável. O desagradável é ser criticado ou repreendido nas relações de trabalho, ser rotulado como inábil, incompetente ou incapaz, e ter a dignidade ferida. Em outras palavras, tudo é uma questão de relacionamento interpessoal.
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A Coragem De Não Agradar
Non-FictionIndicação De Leitura Do Min Yoongi-Suga A Coragem de Não Agradar é uma conversa entre um jovem frustrado e um filósofo inspirado nas ideias de Alfred Adler, figura que é um dos pilares da psicologia. Durante o livro, a conversação vai proporcionando...