OS JOVENS CAMINHAM À FRENTE DOS VELHOS

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Jovem: Reconheço que certos aspectos do trabalho estão ligados à contribuição para os outros. Mas a lógica que diz que oficialmente você está contribuindo quando na verdade está agindo em benefício próprio não passa de hipocrisia. Como você explica isso?

Filósofo: Imagine a seguinte cena. O jantar terminou em casa e ainda há louça na mesa. Os filhos foram para o quarto e o marido está sentado no sofá vendo televisão. Sobrou para a esposa lavar a louça e limpar tudo. Para piorar, a família acha isso normal e não move um dedo para ajudar. Nessa situação, normalmente a esposa pensaria: Por que eles não me ajudam? Ou Por que preciso fazer todo o trabalho? Mesmo que a família não agradeça, a mulher quer ser considerada útil. Em vez de pensar no que os outros podem fazer por ela, a mãe pensa no que pode fazer pelas outras pessoas e resolve pôr em prática. A simples sensação de contribuição vai fazer com que a realidade diante dela ganhe um tom completamente diferente. Se ela lava a louça resmungando, talvez ninguém queira ficar por perto, e todos acabem mantendo distância. Por outro lado, se faz tudo de bom humor, cantarolando, talvez as crianças apareçam para dar uma mãozinha. No mínimo, ela estará criando uma atmosfera mais propícia a receber ajuda.

Jovem: Concordo, isso pode acontecer.

Filósofo: Mas como ter uma sensação de contribuição nesse ambiente? A mãe tem porque vê os membros da família como companheiros. Do contrário, com certeza começaria a pensar: Por que só eu faço isso? ou Por que ninguém vem me dar uma mão? Contribuir para alguém que você considera inimigo, de fato, pode levar à hipocrisia. Mas se as outras pessoas são suas companheiras, isso nunca deveria ocorrer, independentemente de qual seja a contribuição. Você criou uma fixação na palavra hipocrisia porque ainda não entende a sensação de comunidade.

Jovem: Sei...

Filósofo: Para facilitar, até este ponto discuti a autoaceitação, a confiança nos outros e a contribuição para os outros, nessa ordem. Mas esses três fatores estão interligados como um todo indispensável numa espécie de estrutura circular. É por se aceitar tal como é que você tem “confiança nos outros” sem medo de ser passado para trás. E é por depositar confiança incondicional nos outros e sentir que as pessoas são suas companheiras que você consegue se engajar na “contribuição para os outros”. Por fim, quando contribui, você adquire a consciência profunda de que é útil a alguém e se aceita como é. Está com as anotações que fez no outro dia?

Jovem: Está falando da anotação sobre os objetivos apresentados pela psicologia adleriana? Ando com ela desde aquele dia. Vou ler. “Os dois objetivos para o comportamento: ser autossuficiente e viver em harmonia com a sociedade. Os dois objetivos para a psicologia que respalda esses comportamentos: a consciência de que eu tenho a capacidade e a consciência de que as pessoas são minhas companheiras.”

Filósofo: Se você sobrepuser o conteúdo desta anotação ao que temos discutido, vai obter uma compreensão mais profunda. Em outras palavras, “ser autoconfiante” e “a consciência de que tenho a
capacidade” correspondem à nossa discussão sobre a autoaceitação. Além disso, “viver em harmonia com a sociedade” e “a consciência de que as pessoas são minhas companheiras” estão ligados à confiança nos outros e depois à contribuição para os outros.

Jovem: Entendi. Assim, o objetivo da vida é a sensação de comunidade. Acho que vai levar um tempo para isso ficar claro na minha cabeça.

Filósofo: Sim, deve levar. Como disse o próprio Adler: “Não é fácil compreender o ser humano. De todas as formas de psicologia, a psicologia individual é provavelmente a mais difícil de aprender e pôr em prática.”

Jovem: Nisso você acertou em cheio! Mesmo que a teoria seja convincente, é difícil pôr tudo em prática.

Filósofo: Dizem até que, para entender a psicologia adleriana e aplicá-la para realmente mudar o estilo de vida, você precisa de “metade do número de anos já vividos”. Em outras palavras, se começasse a estudá-la aos 40 anos, eu levaria 20 e só a compreenderia bem aos 60. Se começasse a estudar aos 20, levaria 10 anos e entenderia aos 30. Você ainda é novo. Começar num estágio tão prematuro da vida significa que talvez consiga mudar mais rápido, por isso tem uma vantagem sobre os adultos. De certa forma, você também está à frente de mim para se transformar e para criar um mundo novo. Perder o foco ou se perder no caminho é normal. Não dependa de relacionamentos verticais nem tenha medo de ser detestado, apenas siga em frente com liberdade. Se todos os adultos percebessem que os jovens estão caminhando à frente deles, tenho certeza de que o mundo sofreria uma mudança substancial.

Jovem: Estou caminhando à sua frente?

Filósofo: Com certeza. Caminhamos no mesmo terreno, e você está na minha frente.

Jovem: Você é a primeira pessoa que conheço que diz algo assim a alguém com idade para ser seu filho.

Filósofo: Gostaria que mais pessoas descobrissem e estudassem o pensamento de Adler. E que mais adultos aprendessem a respeito dele também. Porque as pessoas podem mudar, não importa a idade.

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