▲──────◇◆◇──────▲Filósofo: Bem, vamos analisar os relacionamentos interpessoais de uma perspectiva um pouco diferente. Você está familiarizado com a expressão “sentimento de inferioridade”?
Jovem: Que pergunta boba. Como você já deve ter percebido em nossa discussão até agora, sou uma bolha ambulante de sentimentos de inferioridade.
Filósofo: Que sentimentos são esses especificamente?
Jovem: Bem, por exemplo, se eu abro o jornal e leio uma notícia sobre uma pessoa mais ou menos da minha idade, alguém realmente bem-sucedido, sou dominado por sentimentos de inferioridade. Se outra pessoa que viveu tanto tempo quanto eu consegue ter tanto sucesso, então que diabos estou fazendo de errado comigo mesmo? Quando vejo um amigo feliz, antes mesmo de ter vontade de comemorar com ele, eu me encho de inveja e frustração. Claro que meu rosto cheio de espinhas não ajuda em nada, e tenho um forte sentimento de inferioridade no que diz respeito à minha educação e ao meu emprego. Além de tudo, tem a questão de quanto eu ganho e do meu status social. Resumindo, estou completamente dominado por sentimentos de inferioridade.
Filósofo: Entendo. Aliás, Adler é considerado a primeira pessoa a usar a expressão “sentimento de inferioridade” no contexto em que é usada hoje.
Jovem: Eu não sabia.
Filósofo: Em alemão, o idioma de Adler, a palavra é
Minderwertigkeitsgefühl, que significa o sentimento (Gefühl) de ter menos (minder) valor (Wert). Ou seja, “sentimento de inferioridade” é um termo que tem a ver com o próprio julgamento de valor.Jovem: Julgamento de valor?
Filósofo: É a sensação de que você não tem valor ou de que tem um valor limitado.
Jovem: Ah, essa sensação eu conheço. Ela me define muito bem. Não passo um dia sequer sem me atormentar com o pensamento de que não há sentido em viver.
Filósofo: Bem, então vejamos meus sentimentos de inferioridade. Quando você veio me ver pela primeira vez, qual foi sua impressão das minhas características físicas?
Jovem: Ahn, bem...
Filósofo: Não precisa se conter. Seja direto.
Jovem: Tudo bem, achei você menor do que eu havia imaginado.
Filósofo: Obrigado. Eu tenho 1,55m. Pelo que sei, Adler tinha a mesma altura. Houve uma época – na verdade, até eu ter mais ou menos sua idade – em que eu me preocupei com isso. Eu tinha a certeza de que as coisas seriam diferentes se eu tivesse uma altura normal ou fosse 20 centímetros mais alto, ou mesmo apenas 10 centímetros. Era como se uma vida mais agradável estivesse esperando por mim. Quando tinha esses sentimentos, eu conversava com um amigo, e ele afirmava que eu estava falando “um monte de besteira” e simplesmente me ignorava.
Jovem: Isso é horrível! Que amigo...
Filósofo: Ele também dizia: “O que você faria se ficasse mais alto? Veja bem, você tem o dom de fazer as pessoas relaxarem.” Um homem grande e forte pode acabar intimidando as pessoas. Já com alguém pequeno como eu, as pessoas perdem o medo. Isso me fez perceber que ser baixinho era algo desejável tanto para mim como para aqueles à minha volta. Em outras palavras, houve uma transformação de valores. Não me preocupo mais com minha altura.
Jovem: Tudo bem, mas isso...
Filósofo: Espere até eu concluir. O importante aqui é que minha altura, 1,55m, não era inferior.
Jovem: Não era inferior?
Filósofo: Na verdade, não me faltava nada, e eu não a considerava inferior. Claro que 1,55m é abaixo da altura média, e esse é um número objetivamente medido. À primeira vista, pode parecer inferior. Mas as verdadeiras perguntas são: que tipo de significado eu atribuo a essa altura? Que tipo de valor eu dou?
Jovem: Como assim?
Filósofo: Meus sentimentos sobre minha altura eram todos sentimentos de inferioridade subjetivos, que nasciam inteiramente da comparação com os outros. Ou seja, de meus relacionamentos interpessoais. Porque, se não houvesse ninguém com quem me comparar, eu não teria oportunidade de pensar que era baixo. Neste momento, você também está sofrendo de diversos sentimentos de inferioridade. Mas, por favor, entenda que não se trata de uma inferioridade objetiva, mas de um sentimento subjetivo. Mesmo quando o assunto é altura, tudo é subjetivo.
Jovem: Em outras palavras, os sentimentos de inferioridade são interpretações subjetivas em vez de fatos objetivos?
Filósofo: Exatamente. Se eu enxergo a situação do ponto de vista do meu amigo, que diz que deixo as pessoas relaxadas, e não intimidadas, minha altura pode se tornar um ponto forte. Claro que esta é uma interpretação subjetiva, e você pode até dizer que é um pressuposto arbitrário, mas existe um aspecto positivo na subjetividade: ela permite a você fazer sua escolha. Exatamente por eu entregar a questão à subjetividade, a opção de encarar minha altura como uma vantagem ou desvantagem fica aberta para mim.
Jovem: Esse é o argumento de que você pode escolher um novo estilo de vida, lembra?
Filósofo: É isso aí. Não podemos alterar fatos objetivos. Mas interpretações subjetivas podem ser mudadas à vontade. E a verdade é que habitamos um mundo subjetivo. Conversamos sobre isso logo no início, lembra?
Jovem: Sim, a água do poço a 18 graus.
Filósofo: Agora, pense na palavra alemã que designa o sentimento de inferioridade: Minderwertigkeitsgefühl. Como eu disse, “sentimento de inferioridade” é um termo ligado ao julgamento de valor da própria pessoa. E que valor seria esse? Pense no exemplo dos diamantes, que são vendidos a um alto valor. Ou da própria moeda. Encontramos valores específicos para essas coisas e dizemos que um quilate vale tanto, que os preços são tais e tais. Mas, se você muda seu ponto de vista, um diamante não passa de uma pedrinha.
Jovem: Bem, intelectualmente, sim.
Filósofo: Em outras palavras, o valor se baseia no contexto social. O valor atribuído a uma nota de 1 dólar não é objetivo, embora esse seja o senso comum. Se considerarmos seu custo real como material impresso, a cédula de 1 dólar está longe de valer isso. Se eu fosse a única pessoa deste mundo e ninguém mais existisse, provavelmente usaria essas notas na minha lareira para me aquecer no inverno. Talvez até para assoar o nariz. Seguindo essa mesma lógica, não deveria existir nenhum motivo para eu me preocupar com a minha altura.
Jovem: Se você fosse a única pessoa do mundo e ninguém mais existisse?
Filósofo: Sim. O problema do valor acaba nos levando de volta aos relacionamentos interpessoais.
Jovem: Então isso tem a ver com a sua afirmação de que todos os problemas têm base nos relacionamentos interpessoais?
Filósofo: Sim, correto.
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A Coragem De Não Agradar
Não FicçãoIndicação De Leitura Do Min Yoongi-Suga A Coragem de Não Agradar é uma conversa entre um jovem frustrado e um filósofo inspirado nas ideias de Alfred Adler, figura que é um dos pilares da psicologia. Durante o livro, a conversação vai proporcionando...