CORDÃO VERMELHO E CORRENTES RÍGIDAS

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Jovem: Vou deixar minhas objeções para depois. Agora, pode falar um pouco sobre a tarefa da amizade?

Filósofo: É um relacionamento de amigo no sentido mais amplo, longe do trabalho, já que não tem a coação característica do local de trabalho. Esse é um relacionamento difícil de iniciar ou aprofundar.

Jovem: Ah, dessa vez você acertou! Num lugar específico, como a escola ou o local de trabalho, você ainda consegue desenvolver um relacionamento, mas ele é superficial, limitado ao espaço. Tentar iniciar um relacionamento pessoal de amizade, ou encontrar um amigo num local fora da escola ou do trabalho, é extremamente difícil.

Filósofo: Você tem alguém que chamaria de amigo íntimo?

Jovem: Tenho um amigo, mas não sei se o chamaria de amigo íntimo.

Filósofo: Comigo aconteceu a mesma coisa. Quando eu estava no ensino médio, nem sequer tentava fazer amizade e passava os dias estudando grego e alemão, absorto na leitura de livros de filosofia. Minha mãe se preocupou comigo e foi consultar o professor conselheiro de classe. Ele disse para ela: “Não precisa se preocupar. Ele não precisa de amigos.” Essas palavras foram encorajadoras para minha mãe e para mim também.

Jovem: Uma pessoa que não precisa de amigos? Quer dizer que no ensino médio você não tinha nenhum amigo?

Filósofo: Bem, eu tinha um único amigo. Ele dizia: “Não há nada que valha a pena aprender numa universidade” e acabou não fazendo faculdade. Foi ser eremita e morou nas montanhas por vários anos, e ultimamente descobri que está trabalhando como jornalista no Sudeste Asiático. Não o vejo há décadas, mas tenho a impressão de que, se nos reencontrássemos, poderíamos nos relacionar como naquele tempo. Um monte de gente acha que quanto mais amigos você tem, melhor, mas tenho minhas dúvidas. Não existe valor algum no número de amigos ou de conhecidos que você tem. E este é um tema ligado à tarefa do amor, mas deveríamos estar pensando na distância e na profundidade do relacionamento.

Jovem: Será que eu sou capaz de fazer amigos íntimos?

Filósofo: Claro que é. Se você mudar, as pessoas à sua volta mudarão também. Não terão alternativa. A psicologia adleriana é uma psicologia para mudar a si mesmo, não para mudar os outros. Em vez de esperar que os outros mudem ou que a situação mude, você mesmo dá o primeiro passo.

Jovem: Humm...

Filósofo: O fato é que foi assim que você veio me visitar. E encontrei em você um jovem amigo.

Jovem: Sou seu amigo?

Filósofo: Sim. Nossas conversas não são um aconselhamento, e não temos um relacionamento de trabalho. Para mim, você é um amigo insubstituível. Não acha?

Jovem: Eu sou seu... amigo insubstituível? Não, não vou pensar sobre isso agora. Vamos continuar conversando. E a última tarefa, a do amor?

Filósofo: Imagine que essa tarefa é dividida em dois estágios: um, o que conhecemos como relacionamentos amorosos e, dois, relacionamentos com a família, especialmente entre pais e filhos. Já discutimos o trabalho e a amizade, mas, das três tarefas, é provável que a do amor seja a mais difícil. Quando um relacionamento de amizade se transforma em amor e os amigos se tornam namorados, o discurso e a conduta que eram naturais entre amigos talvez não sejam mais permitidos. Especificamente, um membro do casal pode acabar proibindo o outro de sair com amigos do sexo oposto. Em alguns casos, até falar ao telefone com alguém do sexo oposto já desperta ciúmes. A distância entre amizade e amor é bem próxima, e o relacionamento pode ser tão profundo que haja esse tipo de interferência.

Jovem: Sim, acho que isso é inevitável.

Filósofo: Mas Adler não aceita que um parceiro crie restrições para o outro. Se a outra pessoa parece feliz, você pode comemorar de verdade. Isso é amor. Relacionamentos em que as pessoas restringem uma à outra acabam desmoronando.

Jovem: Espere, seu argumento pode levar à valorização da infidelidade. Porque, nesse caso, se um parceiro tem um caso e está feliz, em tese, você deve comemorar.

Filósofo: Não, não me refiro a alguém tendo um caso. Reflita: o tipo de relacionamento que parece opressivo e forçado não pode ser chamado de amor, mesmo que haja paixão. Por outro lado, quando você pensa Sempre que estou com esta pessoa, posso me comportar com toda a liberdade, é porque pode realmente sentir amor. Você se sente calmo e à vontade com ela, não tem sentimento de inferioridade nem necessidade de exibir sua superioridade. Nisso consiste o verdadeiro amor. A restrição, por outro lado, é uma manifestação da mentalidade de tentar controlar seu parceiro e uma ideia baseada no sentimento de desconfiança. Você não acha natural e suportável ocupar um espaço com alguém que desconfia de você, acha? Como diz Adler: “Se duas pessoas querem viver juntas se dando bem, elas precisam se tratar como personalidades iguais.”

Jovem: Ok...

Filósofo: O problema é que nos relacionamentos amorosos e matrimoniais, existe a opção da separação. Assim, um casal que vive junto há muitos anos pode se separar se a relação se tornar penosa. Já no relacionamento entre pai e filho, em princípio, isso não pode ocorrer. Se o amor romântico é um relacionamento ligado por um cordão vermelho, o relacionamento entre pais e filhos é ligado por correntes rígidas. E tudo o que você tem à mão é uma tesourinha. Esta é a dificuldade do relacionamento entre pai e filho.

Jovem: O que fazer então?

Filósofo: O que posso dizer neste estágio é: você não deve fugir. Por mais penoso que seja o relacionamento, você não deve evitar ou adiar o enfrentamento. Mesmo que, no fim, você vá cortá-lo com uma tesoura, primeiro precisa encará-lo. A pior coisa a fazer é ficar inerte diante da situação. É basicamente impossível viver a vida toda completamente só. Além disso, você só se torna um indivíduo em contextos sociais. É por isso que, na psicologia adleriana, a autossuficiência como indivíduo e a cooperação dentro da sociedade são considerados objetivos fundamentais. E como alcançar esses objetivos? Segundo Adler, é preciso vencer as três tarefas: do trabalho, da amizade e do amor. As tarefas dos relacionamentos interpessoais que qualquer pessoa precisa enfrentar.

O jovem continuava com dificuldade para entender o verdadeiro significado das tarefas.

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