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Jovem: Tudo bem. Vamos supor que eu alcance a autoaceitação e adquira confiança nos outros. Que tipo de mudanças haveria em mim?
Filósofo: Primeiro, você aceita “este eu” insubstituível do jeito que é. Isso é autoaceitação. Depois, deposita confiança incondicional em outras pessoas. Se aceitando e confiando nos outros, o que as outras pessoas passam a ser para você?
Jovem: Minhas companheiras?
Filósofo: Exato. Na verdade, ter confiança nos outros está ligado a vê-los como companheiros. É por serem seus companheiros que você pode confiar neles. Quando você considera as outras pessoas suas companheiras, encontra refúgio na comunidade a que pertence e pode adquirir a sensação de pertencimento, de que “é bom estar aqui”.
Jovem: Em outras palavras, você está dizendo que para sentir que “é bom estar aqui” é preciso enxergar os outros como companheiros. E para ver os outros como companheiros você precisa ter confiança nos outros e autoaceitação.
Filósofo: Exato. Agora você está entendendo mais rápido. Indo ainda mais longe, pode-se dizer que pessoas que veem os outros como inimigos não alcançaram a autoaceitação e não têm confiança suficiente nos outros.
Jovem: Tudo bem. É verdade que as pessoas buscam a sensação de pertencimento, de que “é bom estar aqui”. E, para isso, precisam ter confiança nos outros e autoaceitação. Não tenho objeção a isso. Mas não sei... Será que alguém alcança a sensação de pertencimento apenas vendo os outros como companheiros e tendo confiança neles?
Filósofo: Claro que não basta ter confiança nos outros e autoaceitação para alcançar a sensação de comunidade. É neste ponto que o terceiro conceito-chave – contribuição para os outros – se faz necessário.
Jovem: Contribuição para os outros?
Filósofo: É agir, de certo modo, sobre seus companheiros. Tentar contribuir. Isso é “contribuição para os outros”.
Jovem: Então, quando você diz “contribuir”, quer dizer mostrar espírito de autossacrifício e ser útil a quem está à sua volta?
Filósofo: Contribuição para os outros não necessariamente implica autossacrifício. Adler chega a dizer que aqueles que sacrificam a vida pelo outro se conformam demais com a sociedade. E não esqueça que só temos consciência real de nosso valor quando sentimos que nossa existência e nosso comportamento são benéficos à comunidade, ou seja, quando sentimos que somos úteis a alguém. Lembra? Em outras palavras, longe de envolver a negação do “eu” e servir alguém, a contribuição para os outros é algo que você faz para ter consciência real do valor do seu “eu”.
Jovem: Contribuir para os outros é um ato em benefício próprio?
Filósofo: Sim. Não há necessidade de sacrificar o eu.
Jovem: Opa, agora seu argumento começou a ruir, não é? Você fez um ótimo trabalho em cavar a própria cova. Para satisfazer o “eu”, a pessoa se torna útil aos outros. Isso não é a definição de hipocrisia? Como eu bem disse antes, toda a sua argumentação é hipócrita. É evasiva. Eu prefiro acreditar no vilão que é honesto a respeito de suas intenções a crer no mocinho que conta um monte de mentiras.
Filósofo: Suas conclusões são precipitadas. Você ainda não entende a sensação de comunidade.
Jovem: Então gostaria que você desse exemplos concretos do que considera contribuição para os outros.
Filósofo: A contribuição para os outros mais fácil de ser compreendida provavelmente é o trabalho – estar em sociedade e aderir à força de trabalho ou realizar o trabalho de cuidar do próprio lar. O trabalho não é um meio de ganhar dinheiro. É pelo trabalho que você dá contribuições aos outros, se empenha por sua comunidade, sente que é útil e até aceita seu valor existencial.
Jovem: Você está dizendo que a essência do trabalho é a contribuição para os outros?
Filósofo: Claro que ganhar dinheiro também é um fator importante. É algo semelhante àquela citação de Dostoiévski que você mencionou: “O dinheiro é a liberdade cunhada.” Mas certas pessoas têm tanto dinheiro que jamais conseguiriam gastar tudo. E muitas delas estão constantemente ocupadas com seus trabalhos. Por que se empenham tanto? Será que são movidas por uma ganância ilimitada? Não. Trabalham para contribuir para os outros e confirmar sua sensação de pertencimento, para terem a sensação de que “é bom estar aqui”. Outro exemplo: muitas pessoas juntam uma fortuna e passam a concentrar as energias em obras de caridade. O objetivo delas é o mesmo: alcançar a sensação do próprio valor e confirmar para si mesmas que é bom estar ali.
Jovem: Suponho que seja verdade. Mas...
Filósofo: Mas o quê?
Autoaceitação: aceitar “este eu” insubstituível do jeito que é.Confiança nos outros: ter a confiança incondicional como base dos relacionamentos interpessoais em vez de semear a dúvida. O jovem considerou esses dois conceitos convincentes, mas ainda não tinha compreendido o de contribuição para os outros.
Se a contribuição precisa ser “para outras pessoas”, então deve ser um terrível autossacrifício. Por outro lado, se a contribuição no fundo é “para você”, então é o cúmulo da hipocrisia. Este ponto precisa ser esclarecido.
Num tom de voz decidido, o jovem continuou. ▲──────◇◆◇──────▲
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A Coragem De Não Agradar
No FicciónIndicação De Leitura Do Min Yoongi-Suga A Coragem de Não Agradar é uma conversa entre um jovem frustrado e um filósofo inspirado nas ideias de Alfred Adler, figura que é um dos pilares da psicologia. Durante o livro, a conversação vai proporcionando...