NÃO VIVA PARA SATISFAZER AS EXPECTATIVAS DOS OUTROS

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Filósofo: O reconhecimento alheio é algo que deve causar satisfação. Mas é errado dizer que ser reconhecido é absolutamente necessário. Antes de tudo, para que alguém busca reconhecimento? Ou, para ser sucinto, por que alguém quer ser elogiado pelos outros?

Jovem: É simples. É sendo reconhecido que você sente que tem valor. É pelo reconhecimento dos outros que você se torna capaz de eliminar os sentimentos de inferioridade. Você aprende a ter autoconfiança. Sim, é uma questão de valor. Acho que você mencionou da última vez que o sentimento de inferioridade é uma questão de julgamento de valor. Como nunca obtive o reconhecimento dos meus pais, vivi uma vida contaminada por sentimentos de inferioridade.

Filósofo: Imagine um ambiente familiar. Digamos que você vem limpando a sujeira da rua em torno do prédio onde trabalha. O fato é que ninguém parece perceber. Ou, se percebe, ninguém mostrou reconhecimento pelo que você fez, nem mesmo disse uma palavra de agradecimento. Você continua recolhendo o lixo?

Jovem: Essa é uma situação difícil. Acho que, se ninguém reconhece o que estou fazendo, eu poderia parar.

Filósofo: Por quê?

Jovem: Recolher o lixo é uma atitude que beneficia a todos. Se eu fizesse isso mas não recebesse nenhuma palavra de agradecimento, provavelmente perderia a motivação.

Filósofo: Esse é o perigo do desejo de reconhecimento. Por que as pessoas buscam o reconhecimento das outras? Em muitos casos, isso é fruto da influência da educação baseada em recompensas e punições.

Jovem: Educação baseada em recompensas e punições?

Filósofo: Se você realiza a ação apropriada, é elogiado. Se realiza a ação imprópria, é punido. Adler era um grande crítico desse tipo de educação. Ela leva a estilos de vida equivocados, em que as pessoas pensam: Se ninguém vai me elogiar, não vou fazer a ação apropriada e Se ninguém vai me punir, vou me envolver em ações impróprias. Quando começa a recolher o lixo, você já tem a meta de querer receber elogios. E, se não for elogiado por ninguém, vai ficar indignado ou decidir nunca mais fazer a boa ação. Claramente existe algo errado nessa situação.

Jovem: Não! Por favor, não banalize as coisas. Não estou discutindo sobre educação. É normal querer obter reconhecimento das pessoas de quem você gosta, ser aceito pelas pessoas à sua volta.

Filósofo: Você está redondamente enganado. Veja bem, não vivemos para satisfazer as expectativas dos outros.

Jovem: Como assim?

Filósofo: Você não vive para satisfazer as expectativas das outras pessoas, nem eu. Isso não é necessário.

Jovem: Que argumento egoísta! Você está dizendo que as pessoas devem pensar apenas em si mesmas e viver uma vida de hipocrisia?

Filósofo: Nos ensinamentos do judaísmo existe um pensamento que diz mais ou menos o seguinte: se você não está vivendo a vida para si, quem irá vivê-la por você? Em última análise, vivemos pensando no “eu”. Não há motivo para não pensarmos assim.

Jovem: Você está sofrendo do veneno do niilismo. Está dizendo que vivemos pensando no “eu” e que isso está certo? Que maneira triste de pensar!

Filósofo: Não é niilismo coisa nenhuma. Pelo contrário. Quando você busca o reconhecimento alheio e só se preocupa com o julgamento que vão fazer de você, acaba vivendo a vida das outras pessoas.

Jovem: Pode explicar melhor?

Filósofo: Quando você deseja muito ser reconhecido, acaba vivendo para satisfazer as expectativas das pessoas que querem que você seja isso ou aquilo. Em outras palavras, você joga fora quem realmente é e vive a vida alheia. E lembre-se: se você não vive para satisfazer as expectativas dos outros, as pessoas não vivem para satisfazer as suas. Alguém pode não agir do modo que você gostaria, mas você não deve se irritar com isso. É natural.

Jovem: Não, não é! Esse argumento subverte as bases da nossa sociedade. A verdade é que nós temos o desejo de reconhecimento. Mas, para sermos reconhecidos, primeiro temos que reconhecer o outro. É reconhecendo as pessoas e outros sistemas de valores que somos reconhecidos. É com base nessa relação que nossa sociedade se forma. Seu argumento é uma forma de pensar detestável, perigosa, que leva o ser humano ao isolamento e ao conflito. É uma solicitação diabólica que estimula a desconfiança e a dúvida desnecessariamente.

Filósofo: Você tem um vocabulário interessante. Não precisa elevar a voz – vamos pensar juntos. Você tem que obter reconhecimento, senão vai sofrer. Se não obtiver o reconhecimento dos outros e dos próprios pais, não terá autoconfiança. Uma vida assim pode ser saudável? Alguém pode pensar: Deus está observando, portanto devo acumular boas ações. Mas esta visão e a visão niilista de que “Deus não existe, logo todas as más ações são permitidas” são dois lados da mesma moeda. Mesmo supondo que Deus não exista e que não seja possível obter o reconhecimento divino, continuaríamos tendo de viver esta vida. Na verdade, é para superar o niilismo de um mundo sem Deus que precisamos negar o reconhecimento das outras pessoas.

Jovem: Não me interessa esse papo sobre Deus. Pense de forma mais direta e objetiva sobre a mentalidade das pessoas reais, no dia a dia. E quanto ao desejo de ser socialmente reconhecido, por exemplo? Por que alguém quer ascender na hierarquia corporativa? Por que buscar status e fama? Pelo desejo de ser reconhecido como alguém importante na sociedade como um todo – o desejo de reconhecimento.

Filósofo: Então, ao conseguir esse reconhecimento, você diria que encontrou a verdadeira felicidade? As pessoas que conquistaram status social se sentem felizes de verdade?

Jovem: Não, mas isso...

Filósofo: Ao tentarem obter o reconhecimento dos outros, quase todos enxergam o ato de satisfazer as expectativas alheias como um meio para esse fim. E isso corresponde à corrente de pensamento da educação por recompensa e punição, que prega que a pessoa deve ser elogiada caso realize a ação apropriada. Se, por exemplo, seu objetivo principal no trabalho é satisfazer as expectativas dos outros, esse trabalho será bem difícil, porque você viverá com medo de que as pessoas estejam observando e terá medo do julgamento delas. Com isso, vai reprimir sua individualidade. Você pode se surpreender com o que vou dizer, mas quase nenhum dos pacientes que buscam orientação psicológica é egoísta. Pelo contrário: eles estão sofrendo porque tentam satisfazer as expectativas alheias, de seus pais e professores. Por isso, não conseguem se comportar de maneira autocentrada.

Jovem: Então eu deveria ser egoísta?

Filósofo: É preciso ter consideração pelos outros. Para entender isso, você deve conhecer a ideia da psicologia adleriana chamada “separação de tarefas”.

Jovem: Separação de tarefas? Esse termo é novo. Fale sobre ele.

A irritação do jovem atingiu o ponto máximo. Negar o desejo de reconhecimento? Não satisfazer as expectativas dos outros? Viver de forma autocentrada?

Que diabos o filósofo estava dizendo? O desejo de reconhecimento não é o maior motivador das pessoas para se associarem com as outras e formarem a sociedade?

O jovem refletiu: E se a ideia da “separação de tarefas” não me convencer? Não conseguirei concordar com este homem, ou mesmo com as ideias de Adler, pelo resto da vida.

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