NEGUE O DESEJO DO DESCONHECIDO

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Jovem: Você disse que hoje iríamos discutir a liberdade.

Filósofo: Sim. Você teve tempo para pensar no que é a liberdade?

Jovem: Sim, na verdade, pensei muito sobre o assunto.

Filósofo: E chegou a alguma conclusão?

Jovem: Bem, não consegui achar respostas. Mas achei isto... Não é uma ideia minha. Na verdade, encontrei a frase na biblioteca. É de um romance de Dostoiévski: “O dinheiro é a liberdade cunhada.” O que acha? “Liberdade cunhada” não é uma expressão original? Mas, falando sério, fiquei fascinado por achar essa frase que capta bem a essência dessa coisa chamada dinheiro.

Filósofo: Entendo. Claro que, falando em um sentido bem geral sobre a natureza daquilo que o dinheiro traz, poderíamos dizer que é liberdade. Esse é um comentário perspicaz. Mas você não chegaria ao ponto de dizer que “liberdade, portanto, é dinheiro”, chegaria?

Jovem: É exatamente como você diz. Provavelmente existe uma liberdade que pode ser alcançada com dinheiro. E tenho certeza de que essa liberdade é maior do que imaginamos. Porque, na verdade, satisfazemos todas as necessidades da vida através de transações financeiras. Mas podemos concluir que alguém que seja dono de uma grande riqueza pode ser livre? Acho que não. Gostaria de acreditar que não é esse o caso, e que valores humanos e a felicidade humana não podem ser comprados com dinheiro.

Filósofo: Bem, digamos que você tenha alcançado sua liberdade financeira. E, embora tenha ficado rico, não encontrou a felicidade. Nesse momento, que problemas e privações você continuaria tendo?

Jovem: Eu continuaria com problemas nos relacionamentos interpessoais, que você vem mencionando. Pensei muito sobre essa questão. Por exemplo, você pode ser muito rico, mas não ser amado por ninguém, não ter companheiros que possa chamar de amigos e não ter ninguém que goste de você. Isso traz uma enorme infelicidade. Outra coisa que não consigo tirar da cabeça é a palavra “compromissos”. Todos estamos no meio desse emaranhado que chamamos de compromissos. Muitas vezes, temos que manter laços com pessoas com as quais não nos importamos ou precisamos aturar as oscilações de humor daquele chefe horrível. Mas, se você pudesse se libertar desses relacionamentos mesquinhos, imagine como tudo seria fácil! Mas ninguém consegue fazer isso. Aonde vamos, estamos cercados por outras pessoas, e somos indivíduos sociais, que existem em relações com outros. Não importa o que façamos, não conseguimos escapar da corda grossa dos nossos relacionamentos. Agora eu compreendo a afirmação de Adler: “Todos os problemas têm base nos relacionamentos interpessoais.” Isso é um grande insight.

Filósofo: Esse é um ponto crucial. Vamos nos aprofundar mais um pouco. O que em nossos relacionamentos está nos privando da liberdade?

Jovem: No outro dia, você falou sobre pensarmos nos outros como inimigos ou companheiros. Você disse que, se alguém se torna capaz de ver os outros como companheiros, sua forma de ver o mundo também muda. Isso faz todo o sentido. Na última vez que nos encontramos, saí daqui totalmente convencido. Mas aí o que aconteceu? Pensei bem no assunto e percebi que certos aspectos dos relacionamentos não podem ser completamente explicados.

Filósofo: Quais, por exemplo?

Jovem: O mais óbvio é a existência dos pais. Nunca consegui pensar nos pais como inimigos. Durante a infância, especialmente, eles eram meus maiores guardiões, me criaram e me protegeram. Nesse aspecto, sou sinceramente grato. Mesmo assim, eles são rigorosos. Na última vez, contei a você que sempre me comparavam ao meu irmão mais velho e nunca ouviam o que eu tinha a dizer. Por outro lado, eles vivem dando palpite na minha vida, dizendo que eu deveria estudar mais, evitar fazer amizade com tais e tais pessoas, pelo menos entrar na faculdade, conseguir determinado emprego, e assim por diante. As exigências deles fazem eu me sentir muito pressionado e geram compromissos.

Filósofo: E o que você acabou fazendo?

Jovem: Me parece que, até começar a faculdade, nunca consegui ignorar as intenções dos meus pais. Eu ficava ansioso, o que era desagradável, mas o fato é que meus desejos sempre pareciam coincidir com os dos meus pais. Mas fui eu mesmo que escolhi onde trabalharia.

Filósofo: Agora que você mencionou, acho que ainda não me falou sobre isso. Você trabalha em quê?

Jovem: Trabalho na biblioteca da faculdade. Meus pais queriam que eu assumisse a gráfica do meu pai, como fez meu irmão. Por causa disso, desde que comecei na função de bibliotecário, nosso relacionamento tem sido um tanto tenso. Se, em vez de serem meus pais, eles fossem meus inimigos, provavelmente eu nem ligaria. Porque, por mais que tentassem interferir, eu poderia não me deixar afetar por isso. Mas, como eu disse, para mim pais não são inimigos. Se são ou não companheiros é outra questão, mas no mínimo não são o que eu chamo de inimigos. Nosso relacionamento é muito íntimo para eu poder simplesmente ignorar as intenções deles.

Filósofo: Quando você decidiu qual faculdade cursar de acordo com o desejo dos seus pais, que tipo de emoção sentiu em relação a eles?

Jovem: É complicado. Bateu um ressentimento, mas também tive uma sensação de alívio, porque, ao entrar na faculdade, eu poderia conseguir o reconhecimento deles.

Filósofo: Com isso, você poderia fazer seus pais lhe darem o devido reconhecimento?

Jovem: Vamos parar com essas perguntas repetitivas. Tenho certeza de que você sabe do que estou falando. É o chamado “desejo de reconhecimento”. Em suma, são os problemas de relacionamento interpessoal. Nós temos a necessidade constante de reconhecimento dos outros. Isso acontece porque a outra pessoa não é um inimigo detestável, não acha? Então, sim, está certo: eu queria obter o reconhecimento dos meus pais.

Filósofo: Entendo. Vamos falar de uma das premissas principais da psicologia adleriana sobre essa questão. A psicologia adleriana nega a necessidade de buscar o reconhecimento dos outros.

Jovem: Ela nega o desejo de reconhecimento?

Filósofo: Não há necessidade de ser reconhecido pelos outros. Na verdade, não se deve buscar o reconhecimento. Nunca é demais enfatizar este ponto.

Jovem: Negativo! O desejo de reconhecimento é universal e motiva todo ser humano, não é?

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