▲──────◇◆◇──────▲Filósofo: Em primeiro lugar, vamos refletir sobre o que você acabou de dizer: sua autoconsciência não deixa você se comportar de forma espontânea. Provavelmente muitas pessoas têm esse problema. Portanto, vamos voltar à fonte e pensar na sua meta. Quando você refreia seus comportamentos espontâneos, o que pode estar tentando alcançar?
Jovem: O desejo genuíno de não ser motivo de piada, de não ser considerado um bobalhão.
Filósofo: Em outras palavras, você não tem confiança no seu eu espontâneo, em você do jeito que é, certo? Aí se afasta do tipo de relacionamento em que poderia ser você mesmo. Mas aposto que em casa, sozinho, você canta em voz alta, dança ouvindo música e fala com uma voz animada.
Jovem: Uau! É quase como se você tivesse instalado uma câmera de vigilância no meu quarto! Mas é verdade. Posso me comportar espontaneamente quando estou sozinho.
Filósofo: Qualquer um pode se comportar como um rei quando está sozinho. Então esta é uma questão que deve ser analisada no contexto dos relacionamentos interpessoais, porque o problema não é a falta de um eu espontâneo. É não conseguir fazer as coisas na frente dos outros.
Jovem: Bem, o que eu devo fazer, então?
Filósofo: No fim das contas, é uma questão de sensação de comunidade. Concretamente falando, você deve fazer a mudança do apego ao eu (autointeresse) para a preocupação com os outros (interesse social) e adquirir uma sensação de comunidade. Três coisas são necessárias neste ponto: “autoaceitação”, “confiança nos outros” e “contribuição para os outros”.
Jovem: Interessante. Novas palavras-chave. A que se referem?
Filósofo: Vamos começar com a autoaceitação. Na primeira noite em que você veio aqui, eu citei a afirmação de Adler: “O importante não é aquilo com que nascemos, mas o uso que fazemos desse equipamento.” Lembra?
Jovem: Sim, claro.
Filósofo: Não podemos descartar o receptáculo que é o “eu” nem substituí-lo. Mas o importante é “o uso que se faz desse equipamento”. A pessoa muda a forma de encarar o “eu”, ou seja, muda a forma de usá-lo.
Jovem: Isso significa ser mais positivo e ter uma sensação mais forte de autoafirmação? Pensar em tudo de maneira mais positiva?
Filósofo: Não há necessidade de fazer um esforço especial para ser positivo e se afirmar. Não é com a autoafirmação que estamos preocupados, mas com a autoaceitação.
Jovem: Não autoafirmação, mas autoaceitação?
Filósofo: Isso. Existe uma clara diferença. Autoafirmação é dar sugestões a si mesmo, do tipo “sou capaz de fazer isso” ou “sou forte”, mesmo quando algo está além de sua capacidade. Essa ideia pode provocar um complexo de superioridade e até ser considerada um estilo de vida no qual você mente para si. Já no caso da autoaceitação, se você não consegue fazer algo, simplesmente aceita “seu eu incapaz” do jeito que é, segue em frente e faz o que consegue. Não é uma forma de mentir para si mesmo. Resumindo, digamos que você alcance 60%. Se você pensa: Tive azar desta vez, meu verdadeiro eu faz 100%, isso é autoafirmação. Por outro lado, na autoaceitação, você pensa: Como eu faço para me aproximar dos 100%?
Jovem: Então, mesmo que você seja apenas 60%, não tem por que ser pessimista?
Filósofo: Claro que não. Ninguém é perfeito. Você se lembra do que eu disse quando estava explicando a busca da superioridade? Que todas as pessoas estão nessa condição de querer melhorar? Invertendo as coisas, não existe uma pessoa que seja 100%. Todos devemos reconhecer isso.
Jovem: Humm... O que você está dizendo soa positivo em vários aspectos, mas também tem um tom negativo.
Filósofo: Aqui eu uso o termo “resignação afirmativa”.
Jovem: Resignação afirmativa?
Filósofo: Isso também se aplica à separação de tarefas: a pessoa apura o que consegue mudar e o que não consegue. Ela não consegue mudar aquilo com que nasce, mas tem o poder de modificar o uso que faz desse equipamento. Nesse caso, só precisa se concentrar no que é capaz de mudar em vez de perder tempo focando o que não consegue. É isso que eu chamo de autoaceitação.
Jovem: O que se consegue mudar e o que não se consegue.
Filósofo: Isso. Aceitar o que é insubstituível. Aceitar “este eu” do jeito que é. E ter a coragem de mudar o que for possível. Isso é autoaceitação.
Jovem: Isso me faz lembrar uma frase do escritor Kurt Vonnegut: “Deus, conceda-me a serenidade para aceitar aquilo que não posso mudar, a coragem para mudar o que posso e a sabedoria para discernir entre ambos.” Está no romance Matadouro 5.
Filósofo: Sim, conheço. É a Oração da Serenidade. Essas palavras são conhecidas e transmitidas há muitos anos pelos cristãos.
Jovem: Ele de fato usou a palavra coragem. Li o livro com tanta atenção que provavelmente o conheço de cor. Mas só agora percebi este ponto.
Filósofo: É verdade. A habilidade nós já temos. Falta apenas a coragem. Tudo se resume a coragem.
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A Coragem De Não Agradar
Non-FictionIndicação De Leitura Do Min Yoongi-Suga A Coragem de Não Agradar é uma conversa entre um jovem frustrado e um filósofo inspirado nas ideias de Alfred Adler, figura que é um dos pilares da psicologia. Durante o livro, a conversação vai proporcionando...