COMPLEXO DE INFERIORIDADE É APENAS UMA DESCULPA

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Jovem: Será que você pode afirmar com certeza que os sentimentos de inferioridade têm, de fato, base nos relacionamentos interpessoais? Mesmo um indivíduo considerado bem-sucedido socialmente, que não precisa se rebaixar nos relacionamentos, tem esses sentimentos de inferioridade? Mesmo o homem de negócios que junta uma enorme fortuna, a mulher de beleza incomparável e invejada por todos, o medalhista de ouro olímpico... cada um deles seria assolado por sentimentos de inferioridade? Bem, tenho minhas dúvidas. Como eu devo pensar a respeito disso?

Filósofo: Adler reconhece que todos nós temos sentimentos de inferioridade. Não há nada de errado nos sentimentos de inferioridade em si.

Jovem: E por que as pessoas têm esses sentimentos, para começo de conversa?

Filósofo: Acho que é preciso entender toda a situação a partir de determinada ordem. Em primeiro lugar, as pessoas entram neste mundo como seres impotentes e têm o desejo universal de escapar desse estado de impotência. Adler chamou isso de “busca da superioridade”.

Jovem: Busca da superioridade?

Filósofo: Pense nisso simplesmente como “esperança de melhorar” ou “busca de um estado ideal”. Por exemplo, um bebê aprende a se equilibrar sobre duas pernas. Ele tem o desejo universal de aprender a língua e melhorar. E todos os avanços da ciência no decorrer da história humana também se devem a essa “busca da superioridade”.

Jovem: Tudo bem. E aí?

Filósofo: A contraparte disso é o sentimento de inferioridade. Todos estão na “condição de querer melhorar”, que é a busca da superioridade. A pessoa acalenta diferentes ideais ou metas e avança na direção deles. Mas, quando não atinge seus ideais, passa a abrigar uma sensação de inferioridade. Por exemplo, existem chefes de cozinha que, por mais inspirados e realizados que se tornem, são sempre assolados pelo tipo de sentimento de inferioridade que os faz pensar: Ainda não sou bom o suficiente. Preciso evoluir na arte de cozinhar, etc.

Jovem: É verdade.

Filósofo: Adler está dizendo que a busca da superioridade e o sentimento de inferioridade não são doenças, mas estimulantes ao empenho e ao crescimento normais, saudáveis. Usado da forma correta, o sentimento de inferioridade também pode promover o empenho e o crescimento.

Jovem: O sentimento de inferioridade é uma espécie de plataforma de lançamento?

Filósofo: É isso aí. A pessoa tenta se livrar do sentimento de inferioridade e segue em frente. Nunca estamos satisfeitos com a situação atual – ainda que seja um único passo, a pessoa quer progredir, quer ser mais feliz. Não há absolutamente nada de errado nesse tipo de sentimento de inferioridade. O problema é que certas pessoas perdem a coragem de dar um passo à frente e não conseguem aceitar que a situação pode ser mudada se fizerem esforços realistas. Pessoas que nem sequer se mexem... Elas simplesmente desistem e dizem coisas do tipo: “Eu não sou bom o suficiente mesmo...”, ou “Ainda que eu tentasse, não teria a menor chance”.

Jovem: Bem, isso é verdade, não resta dúvida. Se o sentimento de inferioridade é forte, em geral a pessoa se torna pessimista e diz: “Eu não sou bom o suficiente mesmo...” É assim que funciona o sentimento de inferioridade.

Filósofo: Não, isso não é um sentimento de inferioridade – é um complexo de inferioridade.

Jovem: Um complexo? Mas isso não é igual a sentimento de inferioridade?

Filósofo: Cuidado. Atualmente, a palavra “complexo” é usada como sinônimo de “sentimento de inferioridade”. Você ouve as pessoas dizendo: “Tenho um complexo por causa das minhas pálpebras”, ou “Ele tem um complexo por causa de sua educação”, esse tipo de coisa. Esse é um uso equivocado do termo. Basicamente, “complexo” refere-se a um estado mental anormal formado por um grupo de emoções e ideias, e isso não tem nada a ver com o sentimento de inferioridade. Por exemplo, existe o complexo de Édipo, expressão criada por Freud e usada para descrever a atração anormal do menino pela mãe ou da menina pelo pai.

Jovem: Sim. As nuances da anormalidade são especialmente fortes quando o complexo tem a ver com a mãe ou com o pai.

Filósofo: Pela mesma razão, é fundamental não confundir “sentimento de inferioridade” com “complexo de inferioridade” e considerar os dois coisas totalmente diferentes.

Jovem: Na prática, qual é a diferença entre os dois?

Filósofo: Não há nada de particularmente errado no sentimento de inferioridade em si. Agora você entende isso, certo? Como diz Adler, o sentimento de inferioridade pode estimular o esforço e o crescimento. Por exemplo, se alguém tivesse um sentimento de inferioridade em relação a sua instrução e pensasse Tenho uma deficiência nos estudos, por isso vou ter que me esforçar mais que os outros, esta seria uma direção desejável. O complexo de inferioridade, por outro lado, surge quando o indivíduo usa o sentimento de inferioridade como uma espécie de desculpa. Nesse caso, a pessoa pensa: Minha instrução é deficiente, por isso não vou alcançar o sucesso, ou Não tenho boa aparência, por isso não consigo me casar. Quando alguém insiste na lógica de que “A é a situação, logo B não pode ser feito” no dia a dia, não estamos falando de sentimento, mas de complexo de inferioridade.

Jovem: Discordo. Essa é uma relação causal legítima. Se você tem uma instrução deficiente, isso reduz as chances de obter emprego ou vencer na vida. Você é considerado inferior na escala social e não consegue ter sucesso. Não é desculpa coisa nenhuma. É um fato objetivo, certo?

Filósofo: Não, você está errado.

Jovem: Como? Onde estou errado?

Filósofo: O que você está chamando de relação causal é algo que Adler define como “causa e efeito aparente”. Quer dizer, você se convence de que existe uma relação causal onde não existe. Outro dia, um homem me disse: “Tenho dificuldade para me casar porque meus pais se divorciaram quando eu era criança.” Segundo a etiologia freudiana (a atribuição de causas), o divórcio dos pais dele foi um grande trauma que claramente havia afetado seu ponto de vista sobre o casamento. Adler, porém, com a posição da teleologia (a atribuição de propósito), rejeita esse argumento e considera que existe aí uma relação de “causa e efeito aparente”.

Jovem: Mesmo assim, a realidade é que um bom nível de instrução facilita o sucesso na sociedade. Pensei que você soubesse como funciona o mundo.

Filósofo: A verdadeira questão é como a pessoa enfrenta essa realidade. Se você pensa: Tenho uma deficiência no meu nível de instrução, por isso não sou capaz de alcançar o sucesso, deveria simplesmente trocar não sou capaz de alcançar o sucesso por não quero alcançar o sucesso.

Jovem: Não quero alcançar o sucesso? Que tipo de raciocínio é esse?

Filósofo: Acontece que é assustador dar um passinho que seja à frente. Além disso, a pessoa não quer se esforçar de verdade. Não quer mudar a ponto de sacrificar os prazeres que curte agora – por exemplo, o tempo gasto se divertindo. Em outras palavras, você não está equipado com a coragem de mudar seu estilo de vida. É mais fácil deixar as coisas como estão, ainda que você tenha algumas queixas ou limitações.

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