VOCÊ NÃO É O CENTRO DO MUNDO

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Filósofo: Vamos ver as coisas por ordem. Em primeiro lugar, cada um de nós é membro de uma comunidade e pertencemos a ela. Sentir que temos nosso local de refúgio dentro da comunidade, sentir que “é bom estar aqui” e ter a sensação de pertencimento: estes são desejos humanos básicos. Estudos, trabalho ou amizades, amor ou casamento: tudo isso está ligado à nossa busca de lugares e relacionamentos nos quais podemos sentir que “é bom estar aqui”. Concorda?

Jovem: Ah, sim, concordo! É exatamente isso!

Filósofo: E o protagonista da nossa vida é o “eu”. Não há nada de errado com a linha de pensamento até este ponto. Mas o “eu” não está no centro do mundo. Embora seja o protagonista da vida, não passa de um membro da comunidade e de uma parte do todo.

Jovem: Uma parte do todo?

Filósofo: Pessoas que se preocupam apenas consigo mesmas pensam que são o centro do mundo. Para elas, os outros não passam de “pessoas que farão algo para mim”. Elas têm um sentimento meio genuíno de que todos existem para servi-las e deveriam dar preferência aos seus sentimentos.

Jovem: Como um príncipe ou uma princesa.

Filósofo: Exatamente. Eles dão um salto de “protagonista da vida” para “protagonista do mundo”. Por isso, sempre que entram em contato com outra pessoa, tudo em que conseguem pensar é: O que esta pessoa me dará? O problema – e isto não vale para príncipes e princesas – é que essa expectativa não será satisfeita sempre.
Porque as outras pessoas não estão vivendo para satisfazer suas expectativas.

Jovem: É verdade.

Filósofo: Então, quando as expectativas não são satisfeitas, elas ficam profundamente desiludidas e se sentem insultadas. Ficam ressentidas e pensam: Esta pessoa não fez nada por mim. Esta pessoa me decepcionou. Esta pessoa não é mais minha companheira. É minha inimiga. Pessoas que acreditam ser o centro do mundo sempre acabam perdendo os companheiros rapidamente.

Jovem: Que estranho. Você não disse que estamos vivendo num mundo subjetivo? Enquanto o mundo for um espaço subjetivo, eu sou a única pessoa que pode estar no centro dele. Não deixarei ninguém mais ocupar esse espaço.

Filósofo: Acho que, quando você fala do “mundo”, o que tem em mente é algo como um mapa-múndi.

Jovem: Um mapa-múndi? Como assim?

Filósofo: Por exemplo, no mapa-múndi adotado na França, as Américas estão localizadas no lado esquerdo, e a Ásia, no lado direito. Europa e França são representadas no centro do mapa, claro. O mapa-múndi chinês, por outro lado, mostra as Américas no lado direito, e a Europa, no esquerdo. O francês que vir o mapamúndi chinês provavelmente terá uma sensação de incongruência difícil de descrever, como se tivesse sido injustamente empurrado para a margem ou eliminado do mundo arbitrariamente.

Jovem: Sim, entendo seu argumento.

Filósofo: Mas o que acontece quando um globo é usado para representar o mundo? Porque, com um globo, você pode observar o mundo com a França, a China ou até o Brasil no centro, se quiser. Todo lugar é central e, ao mesmo tempo, nenhum lugar é. O globo pode ter um número infinito de centros, conforme a localização e o ângulo de visão do observador. Essa é a natureza de um globo.

Jovem: É verdade.

Filósofo: Pense no que eu disse antes – que você não é o centro do mundo – como sendo a mesma coisa. Você faz parte de uma comunidade, não é o centro dela.

Jovem: Eu não sou o centro do mundo. Nosso mundo é um globo, não um mapa recortado em um plano. Bem, pelo menos em teoria eu entendo. Mas por que preciso estar ciente de que não sou o centro do mundo?

Filósofo: Vamos voltar ao ponto de partida. Todos estamos buscando a sensação de pertencimento, de que “é bom estar aqui”. Na psicologia adleriana, porém, só se alcança a sensação de pertencimento assumindo um compromisso ativo com a comunidade de forma espontânea, e não simplesmente estando aqui.

Jovem: Assumindo um compromisso ativo? E como se faz isso?

Filósofo: A pessoa enfrenta suas tarefas da vida. Em outras palavras, caminha com as próprias pernas, sem evitar as tarefas dos relacionamentos interpessoais do trabalho, da amizade e do amor. Se você é “o centro do mundo”, não terá nenhum pensamento de compromisso com a comunidade, porque todos os outros são “alguém que fará algo para mim” e não haverá necessidade de você mesmo fazer as coisas. Mas você não é o centro do mundo, nem eu. Nas tarefas dos relacionamentos interpessoais, é preciso dar seus próprios passos à frente. Não se deve pensar O que esta pessoa me dará?, mas O que posso dar a esta pessoa? Isso é compromisso com a comunidade.

Jovem: Você só consegue encontrar seu refúgio quando tem algo a oferecer?

Filósofo: Isso mesmo. Só se alcança a sensação de pertencimento por esforço próprio – você não nasce com ela. A sensação de comunidade é o conceito-chave tão debatido da psicologia adleriana.

De início, o jovem teve dificuldade para aceitar esse conceito. E claro que, além disso, se irritou ao ser informado de que era autocentrado. O que achou mais difícil de aceitar, porém, foi a incrível extensão da comunidade, que incluía o universo e objetos inanimados. De que Adler e o filósofo estavam falando? Pasmo, o jovem lentamente abriu a boca para falar.

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