Capítulo 10: Hatford

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O restaurante de sempre era um lugar sofisticado, com direito a cabines privativas que garantiriam a privacidade do cliente, claro que era um tanto mais caro do que as mesas normais, mas Neil não se importava em pagar um pouco a mais. Ele frequentemente ia a este restaurante, quando não conseguia fugir dos negócios chatos da empresa para se encontarar com investidores e acionistas, ele não podia jogar todas as suas responsabilidades para Ichirou.

Ele saiu do carro e entregou a chave ao manobrista. Ajeitou paletó para ter certeza que a arma no cós da calça estava escondida. Ele usava um terno cinza claro, com uma gravata azul. Ele apreciava que mesmo que entrasse parecendo um mendigo no restaurante não seria barrado, mas decidiu que queria parecer elegante ao encontrar os Hatford.

-Nome?-perguntou a recepcionista com a cabeça baixa, olhando para a lista de reservas.

-Neil Josten.

Neil usava este nome há muito tempo, desde que Ichirou começou a insistir que ele deveria ter alguma empresa e fonte de renda legal. Ele não poderia entrar no mercado com o sobrenome Wesninski, levantaria muitas perguntas, então inventou seu próprio nome e toda uma história para ele. Na história, seus pais haviam sofrido um acidente de carro antes que ele pudesse chegar na adolescência, e uma rede de hotéis que pertencia a eles foi cuidado por um amigo da família até que Neil completasse 16 anos e pudesse tomar o controle da empresa, atualmente Neil Josten tinha 18 anos e faria 19 em março daquele ano.

A recepcionista levantou a cabeça e sorriu.

-Ah, senhor Josten. Vou levá-lo até sua mesa. Me siga, por favor.

Neil olhou no relógio e percebeu que estava 10 minutos atrasado, talvez aquilo tenha sido de propósito.

A recepcionista o deixou em uma cabine privativa, dizendo que o garçom estaria ali em breve, Neil agradeceu e abriu a porta.

Três loiros se viraram para ele, assim como Devan havia descrito e porra, os dedos de Neil coçaram com a necessidade de outro cigarro.

Não eram loiros como Andrew e sim alguns tons mais escuros, havia um homem mais velho, 30 e poucos anos, e dois jovens. Uma garota e um garoto que se pareciam demais para não serem irmãos, eles pareciam ter uma idade próxima a de Neil.

O homem mais velho se levantou, e a julgar por sua aparência (muito parecida com a de sua mãe) e sua idade, aquele era o irmão mais novo, Stuart Hatford. Ele não era muito alto, provavelmente a baixa estatura era uma característica entre entre os Hatford, tinha um rosto sério com algumas rugas, seus olhos castanhos estavam cheios de... esperança?

Antes que Neil pudesse se mexer, Stuart se colocou a sua frente o olhando de cima a baixo, Neil colocou as mãos no bolso e o olhou com desinteresse.

-Nathaniel, quando Lisa me disse eu quase não acreditei. Eu... onde... onde está Mary?

Neil reprimiu um sorriso sarcástico, é claro que essa seria a primeira coisa que ele perguntaria. Neil encarou Stuart em silêncio por algum tempo e viu o brilho de esperança de seus olhos sumindo gradativamente.

-Morta.

Morta depois de tentar fugir de Nathan e ser pega. Neil ainda podia ver a poça de sangue aos seus pés e sentir o cheiro de carne queimada.

Stuart o encarou sem reação e logo depois fechou os olhos.

-Entendo-sussurrou.

Neil deu a volta nele e se sentou em uma das cadeiras, ficando de frente para os outros dois jovens.

-E vocês são?

-Me chamo Harry-disse o garoto com um sorriso enorme no rosto-E essa é minha irmã mais velha, Lisa Hatford.

Lisa estava mortalmente séria e encarava Neil sem piscar. Pelo que sabia, Stuart não tinha filhos, então Harry e Lisa deviam ser filhos do irmão Hatford mais velho e líder da família, Arthur Hatford.

-E você é Nathaniel, o filho da tia Mary, pensei que seria mais alto.

Neil ignorou a maior parte da fala dela.

-Neil.

-O que?

-Esse é o meu nome, me chame de Neil, não Nathaniel, caso contrário essa conversa acaba aqui.

Stuart voltou para a mesa, agora seus olhos estavam totalmente frios. Era assustadora sua semelhança com Mary. Mesmo que o rosto da mulher mais velha tenha se esvaindo da memória de Neil, ainda havia uma foto emoldurada dos Wesninski de quando Neil tinha 10 anos, o quadro ficava no corredor principal da casa de Baltimore, onde passara grande parte da infância e Neil não conseguia simplesmente ignorar o quadro quando era obrigado a ir até lá, então podia se lembrar exatamente da expressão de Mary e de seus olhos desprovidos de qualquer emoção.

-Natha... Neil, eu não vim até aqui apenas para saber sobre ela. Também vim por outro motivo.

Neil deixou que um sorriso de deboche se curvasse em seus lábios.

-Oh, sério?

Então o garçom entrou e eles fizeram seus pedidos, após a saída do garçom Neil continuou antes que Stuart pudesse dizer algo mais.

-Estou realmente curioso para saber como me encontrou.

Não que ele estivesse tentando se esconder ou algo assim, mas ele queria saber como Stuart havia encontrado o galpão onde Devan e os outros estavam. Se aquele lugar poderia ser encontrado com tanta facilidade então havia algo errado com a segurança.

-Foi bem simples na verdade, já que você não estava nem tentando se esconder-Lisa praticamente cuspiu.

Neil olhou para ela e relaxou na cadeira, piscando inocentemente ele disse:

-E por que eu me esconderia?

-Da última vez que sua mãe e eu conversamos ela...-Stuart começou, mas foi cortado por Neil.

-Minha mãe já não está nessa mundo há muito tempo.

-O que exatamente aconteceu? O que... O que deu errado?

Neil pensou que Stuart já estava começando a soar patético. Por que ele ainda estava batendo naquela tecla?

Neil o encarou por alguns segundos.

-O que te faz pensar que eu te contaria?

Não que ele soubesse o que exatamente deu errado na fuga de Mary, ele não era capaz de se lembrar de muitos detalhes daquela noite.

Apenas do jantar, de seu pai avisando que eles iriam até Evermore novamente no dia seguinte e que Mary deveria preparar uma mala. Ele se lembrava da sonolência e então de acordar em uma carro em movimento, dos gritos de Mary dizendo que ele deveria atirar em qualquer um que entrasse em seus caminhos e da pancada e do carro capotando várias vezes. Então se lembra de estar ao lado de Nathan, uma poça de sangue chegando até seus pés, cheiro de carne queimada, gritos de dor em seus ouvidos junto a uma voz que ainda causava arrepios em Neil dizendo que era aquilo que acontecia com traidores.

-Ela é da nossa família-Harry disse, o sorriso finalmente deixando seu rosto.-Temos o direito de saber o que aconteceu e de quem exatamente devemos nos vingar.

O garçom entrou, deixando a comida na mesa e servindo algum vinho caro e super velho para todos, Neil não tocou na comida nem na bebida, não estava com fome.

Assim que o garçom fechou a porta Neil disse calmamente:

-Se querem saber o que aconteceu, descubram por si mesmos, não tenho a obrigação de dizer nada. E quanto a quem fez isso, tenho certeza que é óbvio.

-Acho que isso foi uma espécie de confirmação?-Herry murmurou para Lisa, que acenou com a cabeça.

Neil olhou a hora em seu celular, estavam naquela conversa inútil a mais de meia hora. Ele se levantou.

-Se é só isso, eu estou indo embora. Tenho mais o que fazer.

Assim que virou as costas, escutou o barulho de cadeira de arrastando.

-Espere, Nathaniel!

Guns, rackets and foxesOnde histórias criam vida. Descubra agora