Prólogo

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Era o último.
Era o último pacote de biscoito.

    Marcos olhou de soslaio para Bela que irritavelmente mastigava aquele biscoito barulhento e fedido dentro do seu carro que ele ainda nem tinha começado a pagar e começou a imaginar diversas formas de sumir com aquela estagiária. Talvez um "Desculpa chefe, mas ela fugiu com um nativo" fosse o suficiente para esconder sua culpa por tê-la abandonado no meio do nada, em outro país, sem ninguém. Marcos nunca foi impaciente nem agressivo, mas aquela garota lhe tirava do sério: Bela tinha um ar de dona da razão e adorava irritá-lo quando podia.

    Com certeza dirigir com sua estagiária até a Argentina tinha sido uma péssima ideia e ele se arrependia todas as vezes que a imaginava do seu lado, com aquela expressão convencida de sempre. Infelizmente, a feira do livro em Buenos Aires era um evento chave para a visibilidade da editora e ele não teve muita escolha quando foi obrigado a dividir o  espaço por dias com a favorita do editor-chefe. “Não gosto de aviões”, disse ela, e agora ele estava ali, com aquela cara amarrada enquanto a via destruir o seu carro.

    Ele ainda não entendia como tinham se beijado na festa de fim de ano da empresa, coisa que ele não se orgulhava nem um pouco. Acontece que depois de umas boas doses de tequila, Bela parecia bem mais amigável e menos irritante, coisa que ele nunca admitiu. Na verdade, nenhum dos dois faziam questão de se lembrar.
Graças a Deus. 

— Quer por favor tirar a porcaria dos pés da janela? — disse pela milésima vez, tentando soar calmo enquanto dividia sua atenção entre ela e o volante. Aqueles pés tão desproporcionais que, para ele, pareciam mais com os do pé grande. — Se ainda quiser receber no fim do mês…

    Ela o observou pelo canto do olho e mastigou mais um biscoito deixando com que alguns farelos amarelados caíssem no estofado preto. E ele sabia que era de propósito, como tudo o que ela fazia.

— Não, eles estão muito bem aqui. Deveria fazer isso mais vezes Tavieira, descansar, relaxar um pouco. Estou te sentindo meio tenso esses dias… — provocou.

    Ele lhe encarou rapidamente e se imaginou por breves segundos jogando-a para fora daquele carro, para bem longe dele.

    Marcos Tavieira era um dos melhores editores que a Contágio tinha. E sua ascensão não demorou a acontecer. Nelson, o dono da editora, estava apostando todas as fichas no jovem depois de descobrir que o antigo editor-chefe mantinha um caso com sua ex-esposa. Com a crise econômica e com a empresa praticamente fechando as portas, ele não hesitou em ligar para o Marcos e contar sobre a promoção. Não esperou nem mesmo que chegassem no Brasil.

— Tem certeza de que estamos no caminho certo? — perguntou ela, mais uma vez.

Bela não sabia falar outra coisa. Na verdade Marcos nem achava necessário que ela falasse. Felizmente a viagem estava acabando e em poucas horas, ele poderia se sentar em sua nova sala — com vista panorâmica —  e bem longe daquela voz irritante.

— Estou seguindo o GPS que você me deu — reclamou.

— Se tivesse comprado um carro decente, tenho certeza que eu não precisaria ter te dado.

— Se ele não está decente agora é porque você está destruindo-o. Tira esses pés da janela!

    Ela bufou e ele odiava aquilo. Parecia criança!

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