Dose número 16

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Minha primeira reunião com a equipe foi uma merda. Não graças a mim.
Tudo estava dando certo antes do clima de guerra fria incendiar aquela sala de reuniões e transformar o nosso encontro em uma catástrofe de níveis imensuráveis.

Eu, Isabela Santos, saí de cena sob a desculpa esfarrapada de uma intoxicação alimentar. Os meus antecedentes eram bons. O fato de viver em comunhão com aquela editora e nunca ter tido uma falta sequer, fez com que o senhor feudal, Marcos Tavieira, me liberasse sem a necessidade de uma revolução.

Ayla me havia trago uma muda de roupas estravagantes, socadas dentro de uma mochila verde de origem duvidosa. Não foi fácil me trancar dentro do banheiro e me transformar na Cinderela sem que algum fofoqueiro fosse bisbilhotar. Mas felizmente, a editora era um país inabitável no horário do almoço e poucas pessoas almoçaram por ali.

Até o momento da reunião, a única coisa que eu me preocupava era com a coceira que aquela peruca rosa velha estava me dando. Uma alergia terrível. E a lente vermelha, sim, a lente vermelha colada em meus belos olhos castanhos depois de minha amiga ter acidentalmente jogado a azul pelo ralo. Acidentalmente. Os fãs de crepúsculo ficariam loucos se me vissem na rua, naquele estado, feito uma prima perdida dos Cullen.

Depois de anos fazendo parte do papel de parede daquela sala, imaginei que sentar naquela mesa seria algo trivial, bobo. Mas comecei a sentir o formigamento nos pés assim que vi dez pares de olhos em minha direção. Tudo estava bem.

Eu juro.

Até sentir a primeira bomba cair sob o meu colo e estourar bem ali, na minha cara.

— Você não tinha olhos azuis?— perguntou Marcos, me analisando do outro lado da mesa enquanto dividia a atenção entre mim e os papéis. — Eles estão meio...

— Vermelhos — completou Carmem, a empata projetos.

A empata projetos era responsável pelo design editorial, diagramação e ilustrações dos livros. Era um apelido fofo, carinhoso em consideração aos anos de esforço em tentar destruir minha carreira como escritora. Com a mesa virada de frente para minha, Carmem vivia em desarmonia com a minha presença e enquanto metade da equipe se esbanjava com uma vista de tirar o fôlego, eu, Isabela, a ovelha negra da editora, tinha que me contentar com a cara borrada da Carmem. Isso porque a garota não sabia fazer um delineado gatinho decente.

Apesar da nossa relação cão e gato, ela era talentosa. Suas capas eram sempre coloridas, chamativas, dando ao livro o potencial para atrair o leitor com apenas uma piscadinha da estante de uma livraria.

Eu alcancei minha água, sob a mesa, tentando ganhar tempo em minha resposta quando vi Ayla me lançar seu olhar desesperado. Eu estava tranquila. Minhas mãos dispostas sob as pernas, o olhar calmo, sereno, passando a sensação de que eu sabia muito bem o que eu estava fazendo.

Mentira, por dentro eu estava o próprio Rony Weasley, surtaaaaaaaaando!

— Tive uma reação alérgica a um produto de limpeza —  reclamei, com os olhos fixos no meu chefe. 

—  Eu gostei —  sorriu Armane, animado. — Tá vampiresca.

E isso foi o suficiente para que metade da equipe começasse a rir e esquecesse do surto dos olhos vermelhos. Menos o Marcos, claro. Este estava mais curioso em minhas ações do que na própria reunião. O que me levou direto para o round 2.

— Bom, primeiramente gostaria de te dar boas vindas a editora, agora de modo formal — falou. — Ainda que nem todos estejam tão animados quanto a isso — Marcos reclamou baixinho, o suficiente para atrair olhares curiosos para si.

Eu cruzei as longas pernas desnudas e apoiei minha cabeça em uma das mãos, debochada. Por fora uma criança imatura, e por dentro uma vítima da indústria da beleza. Os saltos vermelhos comprimiam tanto os meus dedos, que decidi, silenciosamente, me livrar daqueles sapatos, antes de dar entrada a um hospital por má circulação. Independente de todo o desconforto, eu ainda precisava manter o personagem. Então abri ainda mais o sorriso, suficiente para iluminar o meu rosto e irritar o meu chefe. E eu sabia que estava funcionando, com todo aquele sarcasmo estampado em minha cara que poderia irritar até mesmo o Diabo. Mas Marcos não chegava a tanto, ele era uma escultura angelical, esculpida por Deus, com o humor de um pitbull.

Amor em doses de tequila Onde histórias criam vida. Descubra agora