Dose número 12

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Remexi os pés dentro dos saltos que Ayla me obrigou a usar enquanto ela lutava com as panelas. A cada minuto, era um grito ou um xingamento diferente e depois de oferecer ajuda umas 300 vezes e ela recusar, decidi deixar pra lá.

Ayla e Armane estavam namorando.
Um desastre. 

Armane vinha de uma família da alta sociedade e desde que começaram o relacionamento, Ayla vivia mergulhada na ansiedade esperando o famigerado jantar entre as famílias. Claro que tudo teria sido mais fácil se a mãe do príncipe encantado não fosse tão superprotetora, com suas regras e requisitos de uma "boa namorada".
Bela, recatada e do lar, disse ela, ao telefone. E agora, Ayla surtava ao som de barões da pisadinha enquanto tentava fazer um frango decente que agradasse aquela mulher.

Mas calma, o frango não era a Sueli.

Essa estava escondida em seu quarto, trancada a 7 chaves. Afinal, um sapato sujo seria menos desgastante do que Dona Cecília tomando chá com uma galinha ciscando ao lado.

Eu encarei o reflexo no espelho admirando o vestido que Ayla havia me emprestado e retoquei a maquiagem quando ouvi a campainha tocar.

— Bela, pode atender pra mim? — gritou Ayla, da cozinha, desesperada.

Não satisfeita, as batidas incessantes na porta me fizeram acreditar que o prédio havia pegado fogo e ninguém tinha nos avisado. Estava cedo demais para a chegada dos convidados então não dei a mínima para a falta de educação disfarçada de obstinação. Assim que abri a porta, meu sorriso sumiu.

— Ah é você — reclamei ao ver o dragão, parado do outro lado, cuspindo fogo.

— Sim, sou eu! Cadê ela? — perguntou, com a voz fina e marcante.

Sueli, a prima decotada — ou cão tinhoso — foi entrando na sala com selvageria e se jogou sob o chão como se pudesse varrer o nosso apartamento com aqueles olhos traiçoeiros, em busca de algo.

— Cadê quem?

Ayla, marchou da cozinha até a sala com a concha na mão, tremendo feito um Pinscher. Faltava 1 hora para que os convidados chegassem e tudo o que ela menos queria é que tivessem mais do que uma galinha naquela casa.

— Filhinha, tá achando que é quem pra entrar na minha casa assim?

— Cadê aquele demônio de duas asas?— gritou, se rastejando pelo chão da sala.

— Tá falando da Sueli?

Ela ergueu a cabeça, distribuindo a atenção entre nós duas sem entender. Ayla observou a vizinha sob os olhos, tempo suficiente para atrair o olhar da oponente e travar bem ali, no meio daquela sala, uma nova guerra fria. Eu me sentia debaixo do Vesúvio, prestes a entrar em erupção.

— Sueli? — Seu rosto ficou vermelho — Você deu meu nome pra aquela coisa?

Minha amiga cruzou os braços e fuzilou a concubina, debochada.

— Não gostou da homenagem não? Eu achei legal, ela só come e caga, igualzinha a você!

— Sua filha da mãe! — gritou. — Aquele bicho sujou toda a entrada do meu apartamento! Vocês não tem vergonha não? Isso não vai ficar assim, eu vou contar pra dona Fátima vocês vão ver.

Ayla gargalhou.

— Que dona Fátima prenda o marido em casa, ou vai ficar sem ele!

Sueli, levada pelo orgulho ferido, se levantou do chão e saiu rebolando para fora do nosso apartamento, jogando aquele cabelo loiro platinado por cima do ombro. O furacão de dimensões intergalácticas atravessou o corredor e depois de bater a porta do apartamento, ligou o funk nosso de cada dia no volume máximo.

Amor em doses de tequila Onde histórias criam vida. Descubra agora