Dose número 11

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Tudo naquela sala fazia questão de jogar na minha cara que ali não era meu lugar. Eu ainda estava com raiva e Marcos visivelmente abalado, tentava parecer o mesmo babaca responsável de sempre enquanto lia os comentários do post. Todos esperavam um bom resultado, mas isso não impediu que o nervosismo fizesse morada em minha mente.

Durante toda a minha vida eu sempre tive muita insegurança quando tentava me encaixar. Sei que parece um absurdo dizer isso, quando tudo o que eu fazia era justamente o contrário, mas ser bem resolvida e demonstrar que eu não dava a mínima era a único meio que eu tinha pra esconder o meu medo. Medo esse que me paralisava todas as vezes que eu escolhia seguir algum caminho, alguma profissão. E pra suprir todo esse sentimento eu sempre buscava a opinião alheia, a aprovação dos outros. E foi no ápice da minha insegurança que eu percebi que o mais difícil não era fazer com que as pessoas gostassem de mim. O mais difícil era gostar de mim mesma. E de longe isso sempre foi o mais importante.

Agora, eu estava ali, frente a frente com as mesmas sensações, tentando ignorar o medo de não ter agradado o suficiente.

Felizmente o fato de ser praticamente invisível e estar em pé, esquecida no canto da parede foi o bastante para que ninguém notasse a minha cara aflita. Ele apertou os olhos para o notebook e sorriu desanimado.

— Parece que o nosso público quer ver mais da Cinderela — comentou. —Parabéns Ayla, sua prima tem um dom.

Um pequeno alvoroço comemorativo alcançou os meus ouvidos enquanto eu tentava não esboçar nenhuma reação. Eu não saberia descrever a sensação de alívio e felicidade que senti quando me dei conta que a Cinderela finalmente teria seu lugar de destaque naquela editora. E melhor ainda era saber que eu finalmente teria os meus livros publicados, por uma tradicional e não uma gráfica meia-tigela!

Senti o ar correndo pelos meus pulmões novamente e os pensamentos negativos se esvaindo da minha mente conturbada. Ayla me encarou, os olhos animados e orgulhosos quando meu chefe lhe chamou a atenção.

— Ela tem alguma obra disponível que podemos utilizar?

Eu observei seu rosto cruel enquanto lançava flechas imaginárias contra o seu corpo. Eu tinha uma gaveta inteira cheinha de manuscritos que ele nunca fez questão de ler ou publicar e já que eu não podia lhe dizer umas verdades, escolhi a melhor opção: a minha imaginação fértil e assassina.

Parece que o jogo virou, não é mesmo, Marcos babaca Tavieira?

— Sim, ela tem alguns romances já escritos, muito bons inclusive. Acho que o Gael e o restante da equipe da edição não vai ter muito trabalho com a trama e as adaptações que queríamos.

— Ótimo! Envie para ela o contrato de autor e peça para que nos mande o manuscrito para as modificações. Vamos avaliar a obra e pensar nas modificações necessárias. Preciso desse livro no mercado urgente. E quanto a publicidade? — Ele encarou Sheila como se esperasse uma ideia melhor do que o marketing dos livros anteriores.

— Bom, eu tenho algumas ideias, mas preciso ler a história para desenvolvê-las. Porém, acho que podemos manter o anonimato da escritora, isso cria um ar de mistério e aguça a curiosidade do leitor. Claro, se você estiver de acordo.

Graças a deus!

Não pude deixar de notar a expressão de dor estampada na cara do meu chefe, visivelmente contrário à situação, o que me fez odiá-lo ainda mais.

Amor em doses de tequila Onde histórias criam vida. Descubra agora