Dose número 26

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O maior problema daquela viagem não era eu e muito menos a minivan. Não eram os chicletes mascados e nem a bagunça que fez morada no banco traseiro. Nem mesmo o vento quente que entrava pelas janelas e a catástrofe que estava prestes a se tornar a minha carreira eram suficientes para causar tamanho desastre. O maior problema daquela viagem era o Marcos. 

E eu me dei conta assim que começamos a viagem.

Você, jovem trabalhador, que enfrenta uma jornada de até 44 horas semanais, e um chefe bipolar como o meu, me diga: qual a probabilidade de você sair de férias e levar no banco do carona, metade da equipe do teu trabalho?

Para alguns, é menor do que ganhar na Mega-Sena. Para mim, a probabilidade é a mesma de encontrar Johnny Depp vestindo sunga na varanda do meu apartamento.

Marcos descansou os pés no painel, quando abriu, de propósito, mais um pacote de biscoito. Aquele pacote infernal que volta e meia fazia um barulho ensurdecedor chamou a minha atenção quando o vi derramar boa parte do conteúdo no estofado preto. O MEU ESTOFADO PRETO, que eu havia acabado de trocar.

— Quer por favor tirar a porcaria dos pés de cima do painel?— perguntei, dividindo a atenção entre ele e o volante.

Um sorriso maroto brincou em seus lábios, mas ele não se moveu. Eu estava pagando todos os meus pecados naquela viagem. E quando eu digo todos, eram todos. Incluindo os da vida passada.

— Chega pra lá Armane!— berrou Ayla, distribuindo tapinhas contra o seu braço, no banco de trás.

Há exatamente 3 horas atrás, Armane apareceu na porta da editora carregando uma caixa térmica entupida com latas de cerveja.
Para a viagem, segundo ele.
Com a cerveja espumando em uma das mãos, ele ligou o som da minivan e engatou um pendrive com o único estilo que ele escutava: Forró.

Meu aparelho de som nunca funcionou. Troquei por um mais moderno e imaginei que isso resolveria o problema, mas nem assim ele ligava. Com aquele objeto piscando feito um vagalume, e inspirada pela Joelma cantando em meu ouvido, consegui enxergar um ponto interessante: aquela van  me odiava e estava mesmo a fim de acabar com o meu dia.

Um clack ecoou atrás de mim, quando Ayla e o namorado abriram mais uma lata de cerveja, berrando junto com a música.
Comecei a fervilhar no banco do motorista e me senti indo em direção ao piscinão de ramos, com toda aquele clima de alegria e felicidade rondando o ar.

A lua me traiu
Acreditei que era pra valer
A lua me traiu
Fiquei sozinha e louca por você!

— Será que dá pra vocês dois calarem a boca? Estou tentando dormir! — Irritada, Carmem levantou o tapa olho rosa pink e soltou o ar com força, parecendo uma criança birrenta.

Apesar da arrogância, a empata projetos tinha razão. Não dava pra me concentrar na estrada com todo aquele barulho e aquele homem de beleza descomunal sentado ao meu lado, sujando boa parte do automóvel. E ainda tinha Joelma, que foi traída pela lua porque não teve a sorte de conhecer um Bruno (KKKKKKKKrying).

Relaxei no banco quando chegamos ao fim da melodia e deixei aquele silêncio agradável me abraçar. Carmem voltou a dormir. Ayla e Armane conversavam baixinho enquanto esperavam pelo início da próxima faixa e Marcos estava distraído, embora estivesse se mantendo risonho, durante toda a viagem. Aquele sorrisinho de canto que tanto me irritava, dançava em seu rosto e eu sabia muito bem o motivo. 

Quem se importa se ele ofereceu o seu carro novo pra viagem? Que culpa tinha eu se a minivan do meu avô não tinha ar condicionado e se o sol resolveu descer na terra e queimar qualquer manifestação de vida?

Amor em doses de tequila Onde histórias criam vida. Descubra agora