Dose número 30

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MARCOS

Pela vigésima vez encarei Nelson, cuspindo as palavras ao telefone

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Pela vigésima vez encarei Nelson, cuspindo as palavras ao telefone. As mãos agitadas no ar e os olhos esbugalhados escondidos atrás dos óculos me fizeram considerar que tanto ódio e empenho poderiam ter sido empregados durante todo o processo da publicação do livro, para evitar situações exatamente como aquela. Mas ao invés disso, ele preferiu vomitar as acusações sobre mim logo quando cheguei.

Com a cara emburrada, Nelson desligou o celular e pegou uma água no frigobar, claro, preocupado do jeito que era, seu corpo não poderia desidratar mas a própria empresa sim, essa sim poderia falir. Em silêncio, ele se jogou sob a poltrona e tomou um gole generoso, observando pela visão periférica a minha reação. De fato, não era daquela forma que imaginei uma reunião, 2 horas antes do início do evento. Muito menos naquelas circunstâncias, onde o dono da editora teve que voar por uma hora só pra esfregar na minha cara que a nossa escritora era uma farsante.

— Ela publicou hoje de manhã, aquela vadiazinha. 
  
Contraí a mandíbula e pressionei os dedos em minhas mãos, até atingirem um tom esbranquiçado. Nem Jesus Cristo seria capaz de acalmar os ânimos e evitar um soco bem na cara daquele imbecil.

— Você deveria ter sacado qual era daquela garota — proferiu ele, jogando a garrafa vazia contra o lixo. — O pessoal do TI disse que precisamos entrar com uma ação judicial para que ela retire a postagem do ar. Aqueles incompetentes.

— Não foi ela — Pronto, novamente ali estava eu com a cara enfiada na tela do computador tentando entender como aquela postagem foi parar em seu blog. — Ela estava comigo quando isso foi publicado.

— Ora tenha santa paciência Marcos! — Ele irrompeu em uma risada estridente. — Te coloquei nesse cargo para fazer a editora crescer, não pra ficar de quatro por uma garotinha rebelde!

Estreitei os olhos em resposta ao seu tom de escárnio e o observei acender um cigarro. Aquele cheiro insuportável que eu tanto odiava chegou até mim depois de vê-lo lançar uma fumaça densa e esbranquiçada contra o ar. Por mais surpreendente que fosse, Nelson, dono de uma confiança e superioridade inabaláveis, sofria de uma ansiedade generalizada que era sempre desencadeada quando algo saía do seu controle e costumava descontá-la em suas drogas lícitas. 

— Então parece que não sou o único que não cumpre as próprias funções por aqui — soltei o ar com força e ignorei seu rosto enfurecido voltado em minha direção. — Eu confio na minha equipe.

— Confia tanto que ela mentiu sobre a identidade da Cinderela — esbravejou. — E eu só fiquei sabendo dessa porcaria porque fontes seguras me contaram. Quero a Isabela fora da editora! 

— Merda! — gritei socando a mesa, liberando toda a minha indignação. —  Já disse que não foi ela! Ela tem um contrato conosco, sabe que não pode sair por aí disponibilizando o próprio livro gratuitamente. Isso é burrice.

Amor em doses de tequila Onde histórias criam vida. Descubra agora