Dose número 21

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Não havia dúvidas de que a minha goma de mascar era o artefato mais interessante  daquela sala. 

Nada era mais divertido do que observar de longe a vida requintada dos mais favorecidos e descobrir que eles também tinham que aguentar o seu próprio inferninho particular. Amanda, a própria personificação da soberba, estava gritando por atenção, como uma criança birrenta. Suas risadas eram exageradas e suas mãos frequentemente procuravam pelas as de Marcos, que se mostrava desconfortável a cada toque. 

Para manter a paz mundial, todos seguiram pelo almoço com os olhos vendados para as suas atitudes, menos Ester que era pega frequentemente rindo atrás da bandeja de sucos.

O não ela já tinha, agora só faltava a humilhação.

Embora o medo tivesse tomado conta dos meus pensamentos nas primeiras horas do dia, toda a programação saiu conforme o planejado, graças à uma pequena equipe de garçons e cozinheiros que meu chefe havia contratado. Eu não tinha condições de cozinhar pratos mirabolantes quando tudo o que eu imaginava era uma comida bem apimentada no prato da Amanda. Então fiquei encarregada de auxiliar Ester durante a recepção dos convidados, com uma roupinha pra lá de cafona. Meu descontentamento não durou muito, confesso. Com uma agulha e um rolo de linha, acabei arrancando, na noite anterior, todos aqueles babados e ajustando o tecido cinza de forma que eu estivesse ao menos apresentável. Eu estava bem abusada naquele uniforme customizado e naqueles saltos rosa pink, quando recebi a minha arqui-inimiga com o sorriso mais indecente que eu tinha. Sua reação não foi das melhores e seus olhos automaticamente abaixaram para as minhas pernas desnudas depois de exibir um sorriso derrotado.  

Eu masquei o chiclete sabor tutti-fruti em minha boca quando observei Amanda me olhar pelo canto do olho, irritada. Já era a terceira vez que eu provocava aquele barulho e sua paciência era tão curta que eu podia vê-la à beira de um colapso. Ela jogou os cabelos sedosos por cima do ombro, frequentemente me espiando pelo canto do olho, e sorriu para algo que Marcos dizia antes de praticamente se jogar sob a mesa, feito carne no açougue, só pra me provocar.     

— Ai Marcos, você tem um senso de humor incrível. Tinha me esquecido de que você era assim.

Masquei novamente a goma, parada no canto da sala, esperando que um foguete espacial atingisse a cabeça daquela mulher naquele mesmo instante. Toda a minha raiva foi parar naquele chiclete, que diferente do recomendado, não estava ajudando na minha ansiedade.

Clarice era o oposto da irmã. E a julgar pelo temperamento do meu chefe, eu podia jurar que ela era a mais simpática dos três. Sua felicidade e a do marido, eram contagiantes e desde que chegaram naquela casa, não pararam de me elogiar.  

Um sorriso escapou de seus lábios quando percebeu a minha expressão de serial killer apontada para Amanda.

— Porque você não se senta conosco Isabela? Fiquei sabendo que meu filho adorou passar uma temporada com você.

Miguel uniu as mãos e sorriu, tornando as bochechas gordinhas mais evidentes. Os cachos rebeldes, despontados em sua cabeça, dançaram no ar em resposta aos seus movimentos exagerados, eufórico com a ideia. 

— Ela parece que saiu de um conto de fadas, né mamãe? Igual meu tio. O que você acha tio? Já que vocês se beijaram, podíamos morar todos juntos!

Marcos engasgou em sua própria comida. Seus olhos se ergueram para mim, quando desejei cavar um buraco no chão, com minhas próprias mãos, só para fugir dos 5 pares de olhos voltados em minha direção.

— Que história é essa?— perguntou Clarice.

Amanda lançou os olhos esbugalhados sob o menino antes de dar uma garfada violenta no frango — embora eu fosse o alvo — e fingir desinteresse. Comecei a sentir o rubor se espalhar para o meu rosto e queimar a minha face quando a doce criança, sincera e sonhadora, largou os talheres de lado e assumiu uma postura séria, quase desapontado.

Amor em doses de tequila Onde histórias criam vida. Descubra agora