Dose número 31

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Eu não tinha medo da morte. 

Sempre imaginei que por ser um processo natural e espontâneo, seria como deitar em uma noite e não acordar no dia seguinte. É ver a penumbra cair sob os seus olhos e se transformar na escuridão, vagarosamente, até vê-la lhe abraçar completamente.

Deixar cada pensamento, emoção, gesto e sonhos se perderem na linha do tempo, para no fim, restar somente o silêncio.
Nada mais. 

Para a ciência, é baseada no momento em que o coração para. Para mim a sensação é a mesma de nascer.  É o processo inverso, então porque diabos eu teria medo dela?

Eu não tinha medo da morte.
Mas eu tinha medo de como iria morrer.

— Olá, ficamos felizes com o seu contato. Em que podemos lhe ajudar?

— SUA DESGRAÇADA! ABRE ESSA PORTA OU EU VOU ESTOURAR SEUS MIOLOS!

Me abaixei ao lado da cama me escondendo dos gritos infernais vindos de dentro do banheiro. 9 horas. 9 infinitas e longas horas trancada dentro do próprio quarto com o maior lunático que já conheci, sem celular, chave ou qualquer outro objeto que pudesse me salvar, com exceção do telefone vermelho acima do criado mudo. Uma relíquia que só parei pra observar depois de ter entupido o meu ex noivo com uma bebida duvidosa, guardada dentro do frigobar. E pronto, aí estava o meu plano. Beber, beber, beber até não ser capaz de distinguir o real da fantasia, e terminar trancado dentro do banheiro.

Foi na quarta garrafa que sugeri um banho, juntos. Eu, ele e a arma que ele não soltou um minuto sequer. E no seu momento de maior distração, consegui concluir o plano e conter a fera dentro daquele cubículo, ainda que por pouco tempo.

— Pelo amor de deus, preciso de ajuda! Meu ex noivo quer me matar!— gritei, distribuindo a atenção entre o telefone e a porta do banheiro, pulsando tão forte, que eu tinha certeza que Bruno a atiraria contra a parede a qualquer momento.

Aliás, antes a porta do que eu, embora eu soubesse muito bem quem seria a próxima vítima.

Chutes e socos contra a madeira repercutiram pelo corredor em um som estridente, e seus gritos abafados, cada vez maiores, me fizeram explodir por dentro, no mínimo, derrubaram a minha pressão. Aquela ligação — e talvez a minha última — era a única opção para me safar daquele homem desatinado.

— Já ouviu sobre as nossas promoções? Temos inúmeras opções de passeios turísticos, combos de massagem, além da nossa banheira de hidromassagem Lurex, que com apenas um pequeno adicional, você e seu parceiro poderão fazer juntos uma viagem até o paraíso em uma experiência totalmente afrodisíaca. Venha curtir o seu romance com a gente!

Afastei o aparelho da orelha e o encarei embasbacada.

Não, não não, NÃAAAAAAAOO

— Você é burra? — gritei contra o microfone, totalmente desequilibrada. — Minha senhora, ele quer me mandar pro paraíso de outra forma! Já disse que eu preciso de algué…

Abaixei os olhos e fiquei em silêncio quando escutei a música de fundo, um muzak desconfortante, típico de elevador, atingir em cheio os meus ouvidos e me causar uma crise nervosa. Fiquei entorpecida, sem reação, sentindo as malditas lágrimas rolarem pelo meu rosto e causarem um gosto salgado em minha na boca.

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