Dose número 33

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Você já era, Isabela.

Era o que os lábios avermelhados balbuciavam. Com os olhos azuis inclinados em minha direção e um sorriso de escárnio cortando o rosto, Amanda em uma confiança inabalável, cruzou os pés sob os saltos e enfiou as mãos no bolso do casaco, um tipo esfarrapado daqueles que te cobram uma fortuna só para experimentar.

Você já era.  

Disse ela, mais uma vez.

Respira.
1, 2, 3, respira.

A dormência latente em meus músculos entorpeciam os meus sentidos e cegavam a minha visão. Ou talvez fossem os flashes que, repentinamente jogados contra o meu rosto, roubavam a minha atenção todas as vezes que alguém batia uma maldita foto.

Já dava pra imaginar a catástrofe que iria acontecer em minha vida quando eu finalmente resolvesse dar as caras e me pronunciar. Mas o pior de tudo era imaginar o dia seguinte ao caos. Para mim, ainda restavam as dúvidas: Terminaria o evento com meu emprego de volta? Seria possível planejar o presente do dia dos namorados do ano que vem? Ou será que eu deveria procurar outra carreira, uma que não me causasse tanta exposição?

No pior dos cenários, um felizardo: o dono da banca de jornal, pai de família que num piscar de olhos viu as prateleiras se esvaziarem graças ao meu rostinho estampado no papel offset. "Olha lá mamãe, uma desempregada", diz a criança, apontando para a minha foto na revista enquanto vai para a escola. Claro, uma perspectiva que só se tornará verdadeira se o medo e a ansiedade me impedirem de contar a verdade.

Sorri, envergonhada sob o palco sem saber onde raios eu deveria enfiar as minhas mãos e lamentei o fato de que eu mal saberia responder o meu nome, se assim fosse solicitado. 
A verdade é que eu estava sendo bombardeada.
Levei exatos 3 segundos para conseguir discernir de onde vinham tantas perguntas e numa tentativa desesperada em aliviar a pressão, fechei os olhos e esvaziei a mente.

Respira.
1,2,3, respira.

Ok, vamos resolver essa merda de uma vez!

— Sei que não é comum, mas eu gostaria de usar esse espaço para enaltecer uma mulher — Um silêncio estarrecedor tomou conta do lugar quando vislumbrei pela visão periférica, Carmem e Armane surgindo em meio a multidão.

Não dava para encará-los, aqueles olhos confusos em minha direção enquanto se aproximavam da margem do palco, bem ao lado do Marcos. Fixei o olhar em um ponto qualquer da plateia e me concentrei somente na minha respiração ofegante, ecoando contra o microfone.

— Uma mulher que apesar de tudo, batalhou dia após dia pelos seus objetivos. Uma mulher maravilhosa, uma cidadã exemplar, que por amar demais, não somente tentou acabar com a minha vida — Minha voz ganhou força. — mas também promoveu um golpe, na própria editora em que trabalhava — respirei fundo, tomando fôlego. — Senhoras e senhores — olhei para os lados sentindo a minha voz desaparecer. — Gostaria de pedir uma salva de palmas para ela, Amanda Belamy, a maior ordinária que já conheci em toda a minha vida.

Um coro movido ao espanto e horror se formou à minha frente, quando caminhei decidida até o notebook e deixei rodar o conteúdo do pendrive. Ergui os olhos para a plateia e deixei a voz abafada de Amanda irromper pela antiga aparelhagem de som, no momento que vi Ayla se aproximar e cravar os pés a poucos metros do Armane.

Então quer dizer que aquela idiota da Isabela suspeita de nós dois? — gargalhou altivamente. — Fala sério, não sabia que ela era tão inteligente. É fui eu sim. Roubei o livro dela e convenci o Bruno a hackear o blog no dia da bienal, só pra ferrar com ela e com aquela editora de merda. É sério, vocês precisavam ver a carinha de derrota do Marcos quando ela não apareceu no evento — desci do palco em silêncio, varrendo com os olhos a reação de cada um. — Mal sabe ele que aquela sonsa estava sob a mira de um revólver 38, não é amor?

Amor em doses de tequila Onde histórias criam vida. Descubra agora