Dose número 1

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Segundo minha mãe, uma mulher deveria ter 7 fases em sua vida: Ela nasce, cresce, se forma, vai para a faculdade, arruma um namorado gato, um emprego dos sonhos e forma uma família. Eu queria muito que a minha vida tivesse saído conforme o planejado, mas parece que fiz tanto esforço para nascer que decidi que não queria mais e desisti dos passos seguintes.

Nasci dentro de um táxi, no meio de um engarrafamento no centro de São Paulo e minha mãe me chamou de Isabel pela primeira vez, pensando em homenagear a minha avó. Uma linda atitude, se o cartório não tivesse trocado os nomes e me registrado como Isabela. Tenho 26 anos de pura gostosura, formosura, tenho belos olhos castanhos e um sorriso encantador.
Quanto ao resto, não tem muito o que falar.

Sou formada em letras, escritora de um blog e provisoriamente, contra a minha vontade, secretária do grande Marcos Tavieira, editor-chefe da editora Contágio. Ou se preferir nos termos corretos: uma faz tudo. Marcos sempre fez questão de me chamar de secretária como forma de aliviar a culpa por me obrigar a desempenhar as mais diversas atividades — desnecessárias e quase nenhuma envolvendo as etapas editoriais. Nem ele sabia qual era a minha verdadeira função e apesar de estar registrada como revisora, desde que ele subiu ao poder, eu nunca mais fiz nada além de servir cafés e anotar recados. Isso nos dias bons. Nos ruins eu era como a fada madrinha dos inconsequentes.

Se a garota do marketing faltou, chame a Isabela.
Se o encanamento quebrou, chame a Isabela.
Se a polícia quiser me levar por ser um grande babaca imbecil, também chame a Isabela.

Por causa do salário minúsculo e dos delírios do meu chefe, sou obrigada a buscar em um segundo emprego tudo aquilo que o meu não é capaz de bancar.
Eu não estou reclamando, eu juro. Somos uma editora especializada em publicações literárias que são responsáveis por contagiar a população brasileira. Esse é o lema. Diariamente publicamos livros de terceiros que confiam no nosso trabalho que vai desde a revisão literária e ilustração até a publicidade dos livros. A equipe é imensa e por este motivo todos os dias reflito enquanto tomo o meu café da manhã, os motivos pelos quais eu ainda não estou trabalhando na publicação do meu primeiro livro. Esse é sem sombra de dúvidas um dos meus sonhos mais bonitos e sinceros, o único pelo qual eu mataria e que seria capaz de me fazer dar três tapas na cara do meu chefe.

Enquanto o meu tão sonhado reconhecimento não sai, eu fico aturando o mau humor do poderoso chefão esperando que ele me note.
 

 

— Isabela, eu te pago pra trabalhar ou pra fofocar?

Pulei da cadeira e ajeitei o uniforme, rezando para que aquele par de olhos azuis não estivessem bem atrás de mim. Girei os pés sob a poltrona e o encarei, segundos após ter escutado um áudio, no volume máximo, sobre os brinquedinhos eróticos da minha avó. 

— Desculpe, eu estava recrutando novos escritores...

— Com sua avó Nilceia? Ela vai escrever sobre o que? Guia prático de como apimentar a relação? — Ele arqueou uma de suas sobrancelhas e me avaliou com um olhar inquisidor.

Céus, eu odiava aquilo.

Eu congelei o meu sorriso e o observei assumir a sua expressão mais debochada, enquanto eu mentalizava pensamentos doces e felizes, só pra não chutar o balde e xingar o meu chefe.

Ok, eu queria muito dizer umas verdades na cara dele, mas eu ainda precisava daquele emprego. Por inúmeros motivos. O mais importante deles é que Marcos nunca deu importância para os infinitos originais que eu enviei para editora. Pronto, o sonho de criança de me tornar uma escritora famosa e ter um dos meus romances virando filme foi para o espaço.

Amor em doses de tequila Onde histórias criam vida. Descubra agora