Dose número 20

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— O que você tá fazendo aqui? — gritei em alto e bom tom, empunhando uma concha nas mãos, a arma mais letal que eu havia encontrado. 

— Essa é a sua arma?—  Marcos apontou para minha mão, depois de uma mordida muito sedutora naquela maldita maçã.

Parece a serpente do jardim do Édem.

Ele assumiu, o que eu presumi, a sua expressão mais presunçosa e debochada enquanto se aproximava feito um pecado original. Ele transbordava rebeldia e sensualidade com aquele jeito despojado e aqueles cabelos bagunçados, e eu não tive outra escolha a não ser me encolher contra a ilha da cozinha, deixando o ambiente favorável para que ele acomodasse as mãos ao meu redor. Marcos se apoiou no balcão, me deixando sem saída e me observou com a curiosidade dançando em seu olhar. 

— Pode me explicar o que significa isso? Se estiver me perseguindo, saiba que o meu chefe está quase chegando em casa e ele é muito metódico. Se te encontrar aqui…você já era.

— É mesmo?— Ele inclinou a cabeça levemente para o lado, analisando cada centímetro do meu rosto antes de morder mais uma vez no que eu chamaria de fruta proibida. Inevitavelmente meus olhos foram parar em sua boca e antes que meu interesse fosse percebido, desviei o olhar.

— Quer por favor parar com essa...co-coisa?— gaguejei. — Qual é a sua? O que tá fazendo aqui?

— Minha cara, eu moro aqui!

— Não mora não!— reclamei, tentando recobrar o mínimo de decência e inteligência que havia me restado. Mas acontece que era difícil pensar quando ele estava assim, tão...próximo.

— Pinciconini é meu nome do meio — sorriu. — Saberia se fosse uma funcionária exemplar.

Revirei os olhos dando ainda mais motivos para a sua diversão, o que obviamente me deixou irritada.

—  Eu deveria ter colocado mais cogumelo na sua comida. Vai me demitir?

—  Agora você tocou num assunto interessante. Você é péssima com regras, ainda não decidi.

Soltei o ar com força e arrumei os fios rebeldes do meu cabelo, prendendo-os em um coque solto. Tive vontade de mandar o meu chefe enfiar aquele maldito emprego em uma região  inabitável, mas acabei decidindo que a melhor opção era me conter.

—  Marcos, larga de ser mão de vaca! Eu preciso desse emprego, o que eu ganho mal dá pra pagar minhas contas.

— Tá falando que eu não te pago direito?— gargalhou.

— Estou.

Ele se fez de ofendido.

—  Corajosa —  Apertando os olhos para mim, ele ergueu os cantos da boca, se divertindo com a situação. —  A sua sorte é que eu gosto de você.

Encontrei a oportunidade que eu precisava para me restabelecer no momento em que ele se afastou. Era difícil me concentrar com aquela proximidade e aquele sorriso que eu tanto admirava. Aquela maldita maçã e todos aqueles músculos, pulando na minha frente. Como eu ainda estava sob efeito dos seus encantos, tentei dispersar ao máximo meus pensamentos mundanos e preencher a mente com a minha curiosidade. Ele se aproximou da panela e inalou o vapor que subia pelo ar.   

—  Então, qual a história dessa casa? Como você veio parar aqui?

—  Ela era do Roberto  —  respondeu, voltando a atenção para mim.  — O homem que me adotou, na verdade. Morei aqui até os 15 anos, tenho muitas memórias e por isso não quis me desfazer.

Ele alcançou uma das facas e começou a picar os legumes sob o balcão.

—  E é só você? 

—  Não, ele também tinha outras duas filhas... legítimas. Clarice e Amanda.
Eu o encarei curiosa e ele concordou.

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