Dose número 4

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A noite é calma, doce e mansa pra quem não tem uma vizinha chamada Sueli.
1 fone de ouvido não foi o suficiente para manter aquele funk longe da minha mente. Nem mesmo com uma ligação educada e com a intervenção de dona Fátima aquele barulho cessou. Sueli não era civilizada e tudo o que ela fez foi aumentar ainda mais o som daquele maldito funk anos 2000, depois de lhe explicar pela vigésima vez que seu apartamento não era o único do prédio. Ela estava me testando e já que agressão física não era permitida por lei, decidi esperar a justiça divina ou melhor, da galinha. Eu encarei a tela branca do computador paralisada quando a campainha tocou. Dois segundos depois, escutei a voz de Ayla gritando da entrada, mesclada ao som de “no chão novinha”.

— Bela, sua mãe está aqui!

Droga.
Tudo o que eu não precisava.

Eu a amava, mesmo com o seu jeito torto de enxergar as coisas, mas esse não era um bom momento pra eu me sentir inferior.
Minha mãe era uma mulher solteira, bem de vida e que vivia se gabando da sua infância de ouro devido aos títulos de miss que ela adquiriu. E por causa disso, ela me cobrava todos os dias ser como ela foi. E eu definitivamente não tinha nada dela. Felizmente, ela se mudou para o Rio assim que meu avô faleceu, graças a uma herança bem gorda e uma paixão exagerada pelos cariocas.

— Oi mãe — Eu a cumprimentei com um beijo na bochecha.

— Oi meu amor, desculpe não ter avisado, mas sabe o que dizem né? Se a montanha não vai até Maomé, Maomé vai até a montanha — Dona Lúcia se adiantou e jogou as sacolas sob o sofá. — Estou hospedada no Rosewood e estava andando no shopping, então resolvi dar uma passadinha aqui pra ver como você estava — Ela enfiou a mão em uma das bolsas e tirou um vestido vermelho super decotado. — Trouxe um presentinho —  sorriu animada. — Eu sei que a festa da editora é semana que vem e pensei que você poderia ir com ele.

Eu peguei o vestido e o analisei. Muito decote e pouco tecido.

Não mãe, não messsssmo.

— Que lindo mãe, vou usar sim — menti.

— Você não gostou, não é? — Ela me analisou com aqueles olhos inquisidores antes de começar. — Bela, veja a mamãe: Você acha que eu consegui tudo o que consegui me escondendo atrás de roupas cafonas? Ou então passando todas as noites largada no sofá comendo besteiras? Você precisa ser mais como eu e menos como você — Ela cutucou o meu nariz e eu revirei os olhos me jogando no sofá em seguida. — Você não era assim filha. Desde que você e Bruno terminaram, você mudou muito o seu estilo.

— Tudo bem mãe — Eu a encarei pensativa esperando alguma reação. — Era só isso? Eu estou um pouco ocupada.

Ela me observou, com a curiosidade dançando em seu olhar quando um sorriso maroto começou a brotar no canto dos seus lábios.
Cada vez maior.
Não, não, não...

— Falando em Bruno, eu encontrei com ele hoje e ele me disse que ia tentar conversar com você pra vocês voltarem — Ela suspirou. — Você sabe como eu gosto dele não é? Ele é um cara inteligente, bonito… vocês não deviam ter se separado.

—  Mãe, para! — suspirei. — Ele me traiu.

O volume da música aumentou, irritando os moradores do andar debaixo.
Ayla correu para a janela lateral tentando escutar a discussão entre os inquilinos e Sueli, que logo gritou um “me erra, caramba”.

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