Dose número 32

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Me aliar à minha vizinha biscateira depois dos incontáveis meses em pé de guerra, foi como duvidar da inteligência que Deus me deu. Nossa união não foi como nos filmes onde os inimigos se juntam para um bem maior e terminam a história selando a paz com beijinhos em ambos os lados do rosto. Não. Não foi assim. É evidente que não seria. E só percebi isso cinco dias após aquela reunião, quando vi onde raios eu havia me metido.  

Claro que, àquela altura eu já estava mesmo começando a considerar a possibilidade de eu ser uma anta, depois de ter quase caído naquele papinho de "novo eu". Fala sério, eu nunca fui a mais inteligente da turma e passei bem longe dos prêmios pelo bom comportamento, mas tava na cara que altruísmo nunca foi o forte da Sueli.

Estávamos correndo contra o tempo: 3 dias a mais e Marcos nunca mais seria capaz de olhar na minha cara. Meu blog foi hackeado. Armane estava de cara virada para Ayla e meu livro rendia um total de zero reais. Pra completar, um escândalo de proporções gigantescas incendiou a internet quando Carmem resolveu dar uma entrevista pra lá de indiscreta para a imprensa e revelar não somente a identidade, mas também os motivos pelos quais a Cinderela não estava no evento. Na realidade, tirando os meus leitores e a própria editora, até aquele momento ninguém dava a mínima para a traição que eu — supostamente — cometi. Tudo não passava de rumores. Os repórteres não tinham interesse em saber porque uma editora meia boca estava à beira da falência, lucrando menos do que as outras e sendo obrigada a vender as edições antigas para sustentar o salário dos próprios funcionários. Eles queriam histórias tristes, assaltos à mão armada e desabamentos provocados por enchentes, estampados nas primeiras páginas dos jornais. Mas se tinha uma coisa que era capaz de superar as vendas e desviar o foco da imprensa de todo aquele chororô descomunal, era a danada da fofoca, que misturada aos embates e um romance comovente, acabou levando o meu pseudônimo para as mídias sociais. De novo. Passei de aspirante a escritora para escritora descarada e agora, todo mundo queria saber sobre a traição da Cinderela.

— Será que dá pra gente falar somente o necessário?— reclamei, distribuindo minha atenção entre as duas lutadoras de MMA, atracadas em frente a cafeteria estilo parisiense, faltando apenas 20 minutos para Amanda chegar

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— Será que dá pra gente falar somente o necessário?— reclamei, distribuindo minha atenção entre as duas lutadoras de MMA, atracadas em frente a cafeteria estilo parisiense, faltando apenas 20 minutos para Amanda chegar.

Outro ponto ainda mais preocupante: Cafeína não combinava com a minha amiga e todo o seu nervosismo acabou lhe resultando numa ingestão de quatro copos de café expresso. Agora ela estava ali, cópia perfeita da Sueli enquanto gesticulava alucinada de forma estranha atraindo olhares indesejados. Puxei a lateral do capuz preto, tentando esconder metade do meu rosto, quando vi os pedestres estreitando os olhos para a cena.

— Sim, dá sim— Ayla cruzou os braços e sorriu para mim. — Sueli, você é um asno! —  gritou.

É, talvez fosse mesmo.

A tarefa era simples.

Embora Sueli tenha falhado miseravelmente depois de atrair as iscas — isso mesmo, iscas — para o local errado. E tudo no plural, em consequência da abominosa ideia de atrair o meu ex junto. “Relaxa Isabela, eu tenho tudo sob controle”, disse ela, quando decidiu pisotear com aqueles seus pés de jaguatirica sob o meu brilhante plano e nos meter naquela furada.

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