Dose número 7

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De volta à civilização, os dias seguintes passaram por mim como o vento de tão rápido. Nelson começou a frequentar mais a empresa e como uma pedra no sapato, exigia que Marcos resolvesse a crise que estávamos passando. Incrivelmente, todas as vezes que ele sugeria alguma solução, acabávamos perdendo mais clientes e eu sabia que debaixo de toda aquela cara amarrada do meu chefe, existia um homem cansado, implorando por um pouco de sossego. Depois do encontro com a minha mãe, Marcos passou a me evitar e quando estávamos em reunião, fingia que eu não existia. Se antes já era ruim, agora estava bem pior. Como eu não estava podendo protestar, eu tentava me consolar com alguns olhares disfarçados e o seu “bom dia” mal-humorado. 

Eu queria fazer algo pra ajudar, já que eu ainda estava em dívida. Além disso, ver todo mundo correndo contra o tempo, só me deixava pior por estar sentada jogando paciência e servindo cafezinho. Embora meu coração bandido estivesse emotivo, toda a minha compaixão foi para o espaço quando vi meu chefe me pedindo para marcar uma reunião com a Cinderela. Que no caso era eu.
Eu.
Eu mesma.
Euzinha, toda linda e perfeita com aquele brutamontes prestes a me queimar com aquele par de olhos azuis.

— Pra que?

Foi a única coisa que consegui dizer, com a cara limpa e sem vergonha. Marcos me avaliou com os olhos cerrados antes de me lançar uma de suas respostas mais educadas e me causar um ataque cardíaco.

— Acho que o que eu faço com os meus funcionários é problema meu, Isabela.

Isabela.

Sim, Isabela. E ele fazia questão de frisar o meu nome só porque sabia que aquilo me irritava. Aquele tom de escárnio em sua voz e o nome por extenso, letra por letra, ignorando o fato de que eu preferia ser chamada pelo apelido. 

— Certo — respondi, com a cara enfiada no celular tentando ignorar sua presença.

Engole minha indiferença Marcos.

Não deu muito certo. Poucos segundos depois ele se trancou em sua sala e eu fiquei ali com cara de tacho imaginando o motivo daquela reunião. Justo eu, a verdadeira pessoa por traz daquele pseudônimo, mas ele não sabia disso, então eu seria obrigada a desenterrar uma Isabela de anos atrás e mudar o visual, só pra não ser descoberta.

Eu passei a tarde inteira ansiosa com a reunião e catalogando as livrarias parceiras. Coisas desnecessárias que meu chefe me pedia, por puro capricho. Nome, CNPJ, livros vendidos e várias informações desnecessárias faziam parte do catálogo da editora e quanto mais eu digitava, mais perdia a noção da hora.

Já passava das nove e só restávamos eu e ele na empresa.
Depois de toda a revisão, finalmente a equipe havia publicado o post nos sites da editora e eu estava tão ansiosa que mal conseguia me mexer. Metade da galera festejava em um barzinho da esquina enquanto a outra metade estava cansada demais para sequer dar um passo. Mas eu ainda não tinha motivos para festejar.

Eu fechei os arquivos no computador e me dirigi até a copa, em busca de combustível. Ela era pequena. Tinha uma mesa com 4 cadeiras, uma máquina de café que era tão velha quanto o meu celular e um armário minúsculo grudado na parede cinza. Depois de apertar o botão da máquina dezenas de vezes impaciente, Marcos brotou do meu lado e me encarou. Ele estava tão cansado que nem reclamou da minha insistência.

— Sabe que isso não faz com que ela funcione mais rápido, não é?

Eu balancei a cabeça concordando e ele ficou ali, me encarando, com curiosidade no olhar enquanto eu travava uma luta incansável com a máquina de café. Finalmente, ele fechou os olhos e encostou a cabeça na parede, derrotado.

— Eu espero muito que esse texto seja aceito e o livro dessa garota venda como água — suspirou. — Ou não sei como vou manter os meninos. Estamos a beira da falência e se essa ideia não der certo… — disse, apertando os olhos.

Amor em doses de tequila Onde histórias criam vida. Descubra agora