Capítulo 1

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Miguel observava atento enquanto o frentista se preparava para encher o tanque do carro. Era um fim de noite, fazia frio em São Paulo, e agora que estavam indo para Mogi o clima parecia esfriar ainda mais. Sua namorada estava na loja de conveniência comprando um doce. Ele olhou para o relógio distraído antes de entrar no carro para esperar.

Ele estava incomodado. Algo dentro dele parecia fora do lugar.

Se olhassem para sua vida, poderiam dizer que estava tudo em ordem. Ele tinha um bom sítio que lhe dava renda, seu box no Mercado Municipal ia prosperando cada dia mais. Ele tinha bons amigos, companheiros de trabalho. Sua mãe estava saudável e feliz em Ribeirão Preto. Ele tinha uma namorada que fazia tudo por ele. Miguel não era mal agradecido, orava em gratidão a Deus todos os dias.

Mas ele sabia que algo estava errado. Que sua vida estava tomando um rumo que parecia não ser o rumo que deveria tomar.

Olhou ao seu redor. O posto de beira de estrada estava bem vazio, típico do horário. Foi quando viu um grupo de mulheres, com roupas curtas e chamativas, salto alto e maquiagem forte. Parou para refletir. Eram mulheres da vida que perderam completamente a perspectiva de conseguirem algo melhor para fazer. Muitas delas provavelmente tinham uma história para estarem ali, um motivo maior que as levaram a vender a única coisa que elas realmente tinham. Seus corpos.

Uma duplas de mulheres em especial chamou sua atenção. Era uma morena e uma loira de cabelo curto, elas pareciam amigas, e a morena arrumava a peruca da loira com delicadeza. Miguel imaginou que talvez essa vida fosse solitária mesmo, e sorriu ao pensar que naquela amizade elas buscavam apoio uma na outra para seguirem em frente com as adversidades. A morena parecia mais acostumada, já a loira tinha uma postura mais tímida e levava um susto a cada vez que um carro passava buzinando.

— Perdeu alguma coisa ali, Miguel? — escutou a voz de Fabiana o tirando de seus devaneios.

Miguel se voltou para sua namorada, ela parecia nervosa com sua distração naquele grupo de mulheres.

Fabiana era ciumenta, ele sabia, mas se ela estava pensando que um dia ele poderia ter interesse em se envolver com uma mulher daquelas igual todos os outros homens então ela lhe conhecia muito pouco.

— Estava pensando em como aquelas mulheres devem passar por coisas horríveis. — Miguel olhou para fora do carro novamente e suspirou. — Olha o frio que faz ai fora e elas com aquelas roupas curtas.

Fabiana riu e aquilo chamou a atenção dele, que olhou para ela confuso.

— Ai Miguel, elas estão nessa situação porque querem, né? — ela falou sem dar importância, focando em abrir seu chocolate.

— Eu duvido muito que uma mulher faria isso porque quer, Fabiana. — ele disse sério, não gostando nada do pensamento da mulher.

Apesar de sempre ter se dado bem com ela, Fabiana estava se mostrando cada dia mais diferente dele. Ou talvez ele mesmo tenha começado a enxergar uma Fabiana que antes não via, mas que todos o alertavam. Ela era uma mulher bonita, jovem, de família rica. Sempre teve dinheiro e por isso dava pouquíssimo valor a ele, diferente de Miguel, que sempre batalhou duro para ter a boa vida que tinha em seu sítio.

Seus amigos lhe alertaram que talvez Fabiana não fosse bem a mulher que ele estava procurando, mas Miguel se encantou com a freguesa dedicada que ela era em seu box, e aos poucos ela foi lhe conquistando até o chamar para sair e ele aceitar. O relacionamento deles tinha pouco mais de um ano e no começo essas diferenças não faziam muito peso para ele. Mas como ele mesmo sabia, algo o incomodava. E talvez essa diferença de bondade entre eles estivesse pesando mais do que o normal.

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