Capítulo 36

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Angélica tinha ficado o caminho inteiro em silêncio na volta do chá de bebê. Bernardo não conseguia tirar aquele sorriso da cara dele. Quando ele parou o carro na frente do portão da mansão, desligou o carro e se virou para ela.
— Quando vai me chamar para conhecer o sogrão? — ele disse com um riso sarcástico.
— Não enche, Bernardo. — ela respondeu sem o olhar, e se moveu para sair do carro, mas ele a segurou pelo braço com força.
Ela o olhou sem entender, e até com certo medo.
— Você tem que ser mais clara para aquele seu cliente de que agora está noiva. — ele disse firme.
— Eu já disse, como você mesmo viu, se ele não quer acreditar não é problema meu.
Ela se forçou para sair das mãos de Bernardo, mas ele foi ainda mais firme no seu segurar.
— Eu não vou tolerar ser enganado, Angélica. — ele disse em tom sombrio. — Eu vou te mandar uma mensagem com o que você deve dizer na próxima vez que o ver.
Angélica soltou seu braço das garras dele.
— Já anunciei nosso noivado para todos, agora trate de os deixar em paz. — ela disse no mesmo tom que ele, sem desviar os olhos dos dele.
— Eu vou deixar, se você me obedecer. — Bernardo levou a mão até o cabelo dela, acariciando devagar. — Eu posso ser um marido muito bom, é só me obedecer.
Angélica desceu do carro com raiva. Entrou na mansão, passou por seu pai e Fernanda e nada falou. Subiu para o quarto direto, batendo a porta atrás de si. Foi para o banho, desesperada para tirar a sensação da mão dele em sua pele. Se esfregou em banho quente até se machucar com a esponja. Respirou fundo, tentando acalmar a ansiedade dentro de si.
Só conseguia pensar em Miguel. Como o queria ali, dentro do chuveiro com ela. A abraçando, dizendo que tudo estaria bem. Se fechasse os olhos, poderia sentir a mão dele em sua pele, subindo por sua cintura até seus seios. A boca em sua nuca a morderia, e sussurraria todas as coisas que ele faria com ela.

Os dias se passaram sem notícias, o noivado foi divulgado na mídia, com uma foto que ela foi obrigada a tirar com ele no chá de bebê. Miguel não tinha tentado entrar em contato, muito menos Berenice. Angélica suspirou, olhando para o celular. Era melhor assim. Mas como seu peito doía de saudade.
— Vamos almoçar? — escutou a voz de Tobias na sua frente.
O homem tinha as mãos no bolso e um sorriso. Tobias era o único da família que ainda fazia questão de trazê-la para perto. Ramiro a olhava com tristeza, Fernanda nem se dava o trabalho. A mágoa dentro deles era nítida. Mas Tobias não, ele via além. Fazia duas semanas desde o chá, Bernardo tinha estado distante, mas não longe. Ela sabia que tinham homens dele por perto, a observando. Tanto sabia que em um dia desses, esperando um táxi para ir embora, um desses homens se aproximou dela com um pequeno envelope. Bernardo estava mandando a aliança de noivado por um garoto de mensagens. Que ótimo marido ele seria.
— Vamos. — ela respondeu ao irmão.
Quando chegaram no restaurante, pediram os pratos. Quando o garçom se afastou, Tobias sorriu para ela.
— Bela aliança, bem simples, não é? — ele perguntou.
Angélica olhou para a aliança prata, simples, sem diamantes, sem brilho. Só um circulo de prata.
— Bernardo é um homem simples. — ela falou com um sorriso forçado.
— Vocês não se veem muito, não é? — Tobias perguntou curioso.
— Ainda estamos nos adaptando, a rotina dele é bem agitada.
— Quando pretende se mudar para a casa dele? — ele perguntou e Angélica sentiu o corpo gelar.
— Mês que vem, provavelmente.
Tobias a olhou como se tentasse entender algo além.
— Por que um noivado tão longo? — ele perguntou. — Bernardo não parece ser o homem que gosta de esperar, ainda mais 7 meses.
— É o tempo para a criança de Fabiana nascer, não quero roubar esse momento.
— Talvez você não queira se roubar esse momento, não é? — ele perguntou com um sorriso enquanto o garçom trazia as bebidas.

— Eu não entendi.
— Você não me parece uma noiva tão animada assim.
— É tudo muito novo e eu não sou uma romântica...
Tobias riu, mas antes que falasse algo, seu telefone tocou. Ele atendeu e logo pareceu preocupado, deixando Angélica tensa. Bernardo poderia fazer alguma coisa com Tobias também? Quando ele desligou, suspirou triste.
— Eu sinto muito, vou ter que ir, João não está muito legal lá na creche, acho que pegou alguma virosa.
Angélica suspirou, era só uma doença de criança. Será que seria assim? Sempre ficaria com medo no segundo seguinte? Sempre viveria com medo enquanto estivesse com Bernardo?
— Eu vou cancelar o meu pedido, mas almoça com calma, eu vou buscar ele na creche, deixar em casa e volto para a Brás.
— Claro, vai lá. — Angélica sorriu. — Cuida dele.
— Pode deixar, titia.
Angélica sorriu com o comentário e viu Tobias sair do restaurante com o telefone na mão. Ela suspirou. Pegou o seu telefone, queria falar com Berenice, jogar conversa fora, mas se conteve. Começou a mexer nas redes sociais até ver um vulto se sentando na cadeira que Tobias ocupava instantes antes. Olhou para cima assustada, e sua expressão não mudou. Era Miguel, sentado bem na sua frente.
— Miguel... o que faz aqui?
— Estava passando e te vi sozinha. — ele disse sério.
Ela desviou o olhar do dele antes que ele visse o quão afetada ela ficou.
— E o que quer? — ela perguntou fria, olhando para o celular.
— Entender o que está acontecendo com a sua vida... já faz duas semanas e eu ainda não consigo entender.
Angélica respirou fundo e olhou para os lados. Do lado de fora do restaurante, viu um homem parado e seu coração foi para a boca. Era um dos homens de Bernardo. Ela olhou para Miguel com pressa.
— Não tem nada para entender, vai embora.
— Não vou se você não vier comigo. — ele disse firme.
— Ir para onde?
— Para o sítio, assim podemos conversar.
— Eu não vou para lugar nenhum com você, vá embora! — ela disse firme, mas em um tom contido para não chamar atenção. — Me deixa almoçar em paz.

O garçom chegou com seu prato e um sorriso. Perguntou se Miguel queria alguma coisa, mas o agrônomo respondeu que não sem tirar os olhos da ruiva. O garçom se afastou e Angélica começou a comer, o ignorando totalmente e rezando para ele ir embora logo.
— Me conta o que há de errado. — ele pediu.
— Não tem nada de errado.
— Não? É normal você querer se casar com o homem que arruinou sua vida da noite para o dia? — ele perguntou em tom baixo e raivoso.
— Aceita que acabou, Miguel.
Foi então que ela viu. Bernardo entrava com um olhar sério, vinha na direção da mesa sem nem ao menos precisar procurar. Ela respirou fundo e balançou a cabeça. Logo Bernardo estava ao seu lado, a mão firme em seu ombro. Miguel olhou para o homem o desafiando, Angélica olhou para o prato, não ousaria fazer contato visual com Miguel ao lado de Bernardo, saberia que seus olhos pediriam socorro.
— Vejo que ainda importuna minha noiva. — Bernardo disse, olhando para Miguel.
— Só vim conversar, como amigo.
— Minha esposa não precisa de amigos.
Miguel olhou para Angélica.
— Não precisa? — ele perguntou para ela.
Bernardo olhou para cima, respirando calmo. Depois olhou para Angélica e apertou seu ombro.
— Acho que você precisa dizer para ele o que me disse outro dia, meu amor.
— O que disse a ele? — Miguel perguntou.
— Vamos, meu amor, diga.
Miguel se levantou da mesa com raiva ao ouvi-lo falar daquele jeito, e antes que fizessem um escândalo, Angélica se levantou também, se colocando entre os dois. Olhou para Miguel com frieza, o máximo de descaso que conseguia fingir. Aquela era a hora. O momento em que rasgaria o coração de Miguel no meio. Miguel viu ela se transformar em sua frente, a doce Angélica dando lugar a uma mulher amarga que ele não conhecia.
— Eu tenho nojo de você. — ela disse em tom baixo, mas alto o suficiente para ele ouvir sem precisar que ela repetisse. — Sempre tive.
— O que?
— É isso que ouviu, Miguel. — Bernardo colocou as duas mãos no ombro dela, como se pegasse uma marionete. — Diga tudo, querida, para ver se o verdureiro se toca.

— Te usei para fazer ciúme em Bernardo. — ela disse, sua atuação impecável. — Nunca gostei de você, fingi o tempo todo.
— Isso, continue. — Bernardo falou contra seu ouvido enquanto olhava para Miguel.
O agrônomo estava paralisado com as palavras que ela usava.
— Todas as vezes que me tocou pensei em Bernardo, sua voz me dá nojo, seu toque sempre foi a pior coisa para mim. — Angélica falou, fechando sua mão com força, as unhas querendo rasgar sua palma. — Eu quero você longe de mim, Miguel.
Miguel olhou bem para Angélica, mas ela parecia fechada para que ele entrasse. Seus olhos nem ao menos pareciam estar focados nele, ela falava para o atingir. E conseguiu. Ouvir aquelas palavras o deixou enjoado, seu coração apertava em uma dor insuportável e ele teve que se apoiar na mesa para não cair. Olhou bem para Angélica, sabia que ela estava prestes a chorar, e aquilo era o pior. Ela não queria, mas o fez. Sua vontade era de socar Bernardo para ver se tirava aquele sorriso ridículo.
Mas ele não podia fazer nada.
Poderia usar sua força. Seu pai sempre resolveu as coisas assim. Mas Bernardo tinha uma maldita influencia que ele nunca tinha visto antes. Ele a controlada como um boneco. Ele estava certo, Angélica não queria se casar, estava presa.
Mas o que ele poderia fazer agora além de ir embora?
Ele abaixou a cabeça e passou a mão pelos olhos, as lágrimas involuntariamente saindo. Olhou para ela uma última vez antes de sair do restaurante em passos firmes. Angélica queria ir atrás, mas Bernardo a segurava.
— Pronto, acho que agora ele entendeu. — disse ele.
Angélica se virou com ódio no olhar e o empurrou para longe dele.
— Eu te odeio, Bernardo.
Ele apenas riu e observou a ruiva pegar a bolsa na cadeira e sair com pressa, entrando no primeiro táxi que viu.
Angélica chegou na mansão com uma dor de cabeça que nunca sentiu. Chorava no banco de trás em silêncio. Quando chegou na mansão, seu pai estava saindo de casa vestindo um termo e segurando sua pasta. Iria para o escritório, mas ela nunca precisou tanto dele como naquele momento.

Quando Ramiro a viu caminhar até a casa, sua mente voltou para o dia em que ela chegou na mansão aos prantos embaixo de chuva. Podia não estar chovendo hoje, mas a cena era a mesma. Ela tinha o rosto vermelho, lágrimas que caiam sem controle nenhum. Ele entregou a pasta para Xavier e foi até ela correndo.
Quando Angélica o viu se aproximando, sentiu as pernas falhando, mas os braços fortes de seu pai a envolveram rapidamente. A ruiva não negou o cuidado, se agarrou em Ramiro com força, deixando o choro sair com ainda mais força.
— Pai... — ela o chamou em meio ao pranto.
Ramiro a olhou surpreso, era a primeira vez que ela o chamava assim. O empresário a puxou para mais perto de si.
— Estou aqui, filha... eu sempre estou aqui...
Tobias estava em casa com João quando ouviu o celular tocar. Quando viu quem era, atendeu com pressa.
— E então? — ele perguntou.
— Você tem razão, ele só pode estar manipulando Angélica com alguma coisa. — o homem falou do outro lado da linha.
— Então a gente vai acabar com esse canalha, Miguel. — Tobias disse em um tom sério.

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