Capítulo 39

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Ele poderia dizer com toda certeza que hoje o céu tinha mudado de lugar. Quando criança, sempre que sua mãe falava, ele pensava em um lugar distante, lá no alto, além das nuvens. Hoje, com seus 30 anos, ele tinha o céu bem aqui, em seu sítio. E seu anjo tinha cabelos vermelhos e pele macia como algodão. Miguel não sabia quando eles tinham parado no chão de sua sala, mas cá estavam eles. Angélica estava sentada em cima dele, vestia sua camiseta preta, tirada de seu corpo há alguns minutos. Ela acariciava seu peito suavemente, o olhava com adoração. Miguel tinha as mãos na cintura, a segurando como que para ter certeza que ela estava ali mesmo.
Angélica nem conseguia acreditar que estava ali, nos braços dele, envolvida pelo calor da lareira e daquele olhar que a deixava tonta.
— O que foi? — ela perguntou em um sussurro.
— Eu acho que estou sonhando... — ele respondeu.
A ruiva desceu até ficar com o rosto bem perto do dele.
— É real... eu estou aqui...
Miguel inverteu as posições rapidamente. Angélica soltou um riso assustado, mas logo foi substituído por um suspiro de prazer ao sentir a mão forte subir por sua perna. Antes que se perdessem um no outro novamente, ela o afastou com as duas mãos.
— Estou com fome. — ela disse de maneira birrenta que arrancou uma gargalhada dele.
O agrônomo se ajoelho na frente dele e respirou fundo, tentando controlar o desejo. Ele puxou a calça que estava no pé do sofá e se levantou para se vestir, sentindo o olhar dela sobre ele. Miguel olhou para o chão, onde ela continuava deitada e suspirou apaixonado.
— A sua sorte é que Maria Antônia deixou uma lasanha pronta.
Depois de alguns instantes, Miguel voltou com dois pratos e Angélica se acomodou com uma almofada em seu colo para apoiar. Ele voltou rapidamente para pegar dois copos de suco, se sentando logo ao lado dela. Eles começaram a comer, entre uma troca de olhares e outra, aproveitavam o sabor da comida da filha de Seu Oxente. Angélica sentia que ele a olhava mais do que comia, então sorriu:
— Para de me olhar ou sua lasanha vai esfriar... — ela disse em tom brincalhão.

— Eu não consigo... — ele falou simplesmente, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
E provavelmente era. Jamais conseguiria parar de olhá-la. Ele voltou a comer um pedaço da lasanha antes de colocar o prato de lado e ficar de frente para ela. Angélica tinha o garfo na boca e um olhar assustado por vê-lo deixar o prato de lado, a comida estava tão boa que nada a tiraria desse momento.
— O que foi? — ela perguntou pela segunda vez naquela noite.
— Me conta o que está acontecendo com você. — ele disse em tom suave, encostando a mão no joelho nu. — Deixa eu te ajudar.
Angélica respirou fundo, sabia que no final das contas iriam voltar para essa conversa. Voltar a falar de Bernardo a fez perder a fome, então ela se levantou do chão e foi até a cozinha deixar o prato em cima da pia. Miguel foi logo atrás, levando seu prato também. Quando ela ameaçou sair da cozinha sem falar com ele, a prendeu contra a bancada.
— Por que não me conta? — ele perguntou baixinho.
— Se eu te contar, coisas ruins vão acontecer, com você e com todo mundo.
— Você quer dizer com seu pai, não é? — ele perguntou, tentando entender. — Porque sobre a minha segurança e o futuro da Berenice você já deu um jeito, então o que falta? Seu pai, não é?
Angélica cruzou os braços e olhou para ele. Miguel a olhou irredutível.
— É o seu pai. — ele afirmou, sem esperar mais pela confirmação. — O que o Bernardo tem contra seu pai?
Ela nada respondeu, apenas o olhou. No fundo ela esperava que ele chegasse as hipóteses sozinho para que em um piscar de olhos a verdade viesse a tona sem ela precisar falar nada.
Tobias olhava para aquela carta sem conseguir acreditar no que seus olhos estavam lendo. Leu e releu para ver se era isso mesmo que estava acontecendo, tentava achar um furo de interpretação, algo que desse indícios que aquilo era falso. Mas não era. Em passos largos, o filho de Ramiro correu para seu escritório, acendeu a luz do abajur e abriu a última gaveta, onde seus documentos pessoais ficavam.

Abriu a cópia do acordo de herança que seu pai tinha lhe dado quando João nasceu. Leu o documento e respirou fundo, apertando a carta em sua mão. Ali dizia com toda clareza que a herança só podia ser passava para filhos biológicos, todos os herdeiros ao terem filhos deveriam fazer teste de DNA para que seja registrado em testamento a veracidade daquele parentesco. Possíveis filhos adotivos não entravam na partilha de bens.
E aquilo era pior do que ele pensava. Muito pior. A cabeça de Tobias fritava com possibilidades, com tudo que poderia dar errado. Se lembrava do dia em que João nasceu e seu pai lhe deu essa cópia, dizendo que, apesar de ser algo indelicado, era um acordo que estava na família há gerações, e não poderia ser mudado. O dinheiro deles era antigo, e era muito mais do que Ramiro mostrava, milhões e milhões em bancos nacionais e internacionais. Ia muito além do que seus bisnetos poderiam gastar.
— Amor... vem deitar... amanhã você resolve isso...
Tobias olhou assustado para a esposa, mas tentou conter a emoção e o desespero que seu olhar provavelmente transparecia. Olhou para seu celular e viu que já era tarde. E além disso tinham duas mensagens de Ramiro perguntando sobre Angélica.
— Eu já estou indo, prometo. — Tobias respondeu sorrindo para a esposa, que voltou para o quarto.
Tobias abriu a mensagem de seu pai e respondeu que Angélica estava em um hotel, descansando. Se ela não tinha voltado para casa ainda, era porque a conversa com Miguel tinha ido além de palavras. Será que ela sabia disso? Existia algo além disso que Bernardo poderia estar usando contra ela?
Miguel olhava para ela, seu olhar insistente. Ele teria a noite toda, ela não sairia daqui sem lhe dar respostas.
— É meu pai. — ela falou. — Mas eu não posso te falar porque isso está além de mim, não diz só respeito a ele e sim a outras pessoas também.
— Se você me contar eu e Tobias podemos te ajudar.
— Não! — ela respondeu firme. — Essa luta é minha, Miguel. Não vê? É pessoal.
Miguel segurou o rosto dela entre as mãos.
— A sua luta é minha também, porque eu estou nessa com você para sempre.

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