Capítulo 6

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Todo o trajeto até a casa de Lorena foi quase totalmente silencioso. A voz que mais se fez ouvir foi a de Kevin, que estava sentado no banco de trás olhando, encantado, pela janela a visão embaçada pela chuva da cidade que estava quieta. De vez em quando, ele, entusiasmado e vendo tudo como uma verdadeira novidade, apontava algo e logo pendia o corpo para frente, querendo contar tudo para Raul, que estava calado no banco do passageiro.

Lorena tinha um filho daquela mesma idade e sabia muito bem o que era uma energia inesgotável. Por isso, sempre sorria quando, de relance, via Kevin inclinando-se no banco para falar mais uma vez a Raul, mesmo depois de tê-lo escutado dizer num tom firme:

— Senta direito, Kevin.

Raul, praticamente encolhido sobre o banco do passageiro, tentava não apoiar todo o corpo sobre o assento, pois tinha medo de marcá-lo com a sujeira de seu corpo. Se lhe perguntassem, ele não saberia responder qual foi a última vez que se banhou decentemente e isso o incomodava profundamente. Sobretudo porque a loira que ia ao volante, apesar de vinda de um longo dia de trabalho, tinha a roupa limpíssima, o cabelo cheiroso, as unhas pintadas com um esmalte preto reluzente e os lábios cobertos por um tímido gloss que, junto ao seu perfume ligeiramente desgastado pelo dia, mas ainda notável, espalhava pelo carro um aroma acolhedor.

Àquela altura, o que Raul sentia era muito mais do que uma simples desconfiança, pois a vergonha o inundava. De repente, sentiu-se pequeno, do tamanho de uma formiguinha, quando, depois de curtos minutos de carro, Lorena entrou no condomínio fechado e, em seguida, na garagem de sua casa, onde os latidos dos dois Poodles ecoaram alto.

— Uau, Lorena! Sua casa é linda — disse Kevin, estupefato.

A loira sorriu graciosamente e, saindo do carro, agradeceu:

— Obrigada.

Então abriu a porta de trás do Pajero para que Kevin descesse, enquanto, do outro lado, Raul também descia. E, talvez por falta de sorte, o jovem rapaz, que já andava achando que aquele não era exatamente o melhor dia da sua vida, foi imediatamente rodeado pela dupla de Poodles que eram bastante valentes.

— Bidu! Simba! — Lorena exclamou e foi até onde estava Raul, encurralado pelos dois cãezinhos.

A loira já se sentia culpada pelo soco e pelo chute que Raul, não muito acidentalmente, havia levado minutos antes, não podia ser que fosse levar também a culpa por uma mordida, apesar dos dois Poodles serem mesmo inofensivos, mas a verdade é que nunca se sabe o que pode acontecer depois de duas desgraças seguidas.

— Eles não mordem — Lorena assegurou olhando para Raul com certo receio.

Então, quando se viraram, tanto ela quanto Raul, na intenção de irem até a porta que dava para o interior da casa, viram Kevin agachado no chão acariciando os dois cachorrinhos, como se os conhecesse há tempos. No mesmo instante, Raul teve a impressão de que, talvez, o problema fosse ele.

— De quem são, Lorena? — Kevin perguntou enquanto entravam.

— Dos meus filhos — a loira respondeu, atenciosa.

Ao entrarem pela sala, Lorena encontrou Bernardo e Ícaro na mesma posição. Então, pigarreando, a fim de chamar a atenção dos filhos, a loira deixou a chave do carro dentro de uma tigela perto da TV e disse ao filho mais velho:

— Bê, pausa o jogo um instante.

Bernardo, que, até então, não havia erguido o olhar ainda, fez o que Lorena ordenou e, ao olhar em sua direção, assustou-se levemente quando viu Kevin parado ao lado da loira e Raul, um pouco mais distante, em pé à porta.

O Malabarista - ConcluídaOnde histórias criam vida. Descubra agora