À noite naquele mesmo dia, Raul esperou por um momento em que Lorena estivesse só para, então, ir se desculpar com ela. Sentia uma sincera necessidade de esclarecer os seus pensamentos e atitudes diante da loira. Explicar-lhe que aquele pequeno, mas significativo gesto de mais cedo foi fruto de um impulso.
Ao entrar na cozinha, encontrou Lorena guardando a louça já lavada. Então, hesitante, Raul passou uma mão pelos cabelos levemente úmidos — havia se banhado ainda há pouco — e, tomando coragem de repente, chamou pela loira:
— Lorena.
Ela se virou imediatamente e sorriu.
— Ah, oi, Raul. Não vi que estava aí.
— Na verdade, eu acabei de entrar... Será que a gente pode conversar por um instante?
— Claro!
Lorena olhou em volta e, por fim, perguntou:
— Aqui mesmo ou...?
— Pode ser aqui mesmo. Não vai demorar. É que eu só...
Raul respirou fundo.
— Eu queria te pedir perdão pelo que aconteceu mais cedo.
— Perdão? Pelo quê? Pelo beijo? — Lorena perguntou com um pequeno sorriso, enquanto se aproximava da bancada onde Raul estava apoiado.
— Sim.
— Raul, você não precisa pedir perdão por aquilo.
— Não foi correto da minha parte.
— Como assim não foi correto?
O jovem rapaz suspirou e desviou o olhar para os seus próprios dedos, pensando na melhor resposta para dar. Mas Lorena respondeu sua própria pergunta antes que ele fosse capaz de proferir qualquer coisa:
— Você acha que é pecado.
Raul abriu a boca para concordar, mas a loira continuou:
— Não acho que seja pecado. Talvez, se você tivesse uma namorada ou eu, um namorado, aí sim poderíamos usar essa palavra. Mas não é o caso.
— Não é isso. É que eu entendo que esse tipo de coisa é algo íntimo de um casal e nós não somos um...
Um silêncio incômodo reinou entre os dois. Ao fundo, era possível escutar o som da TV na sala. Os olhos azuis de Lorena estavam fixos sobre Raul, que, sem pestanejo, a fitava de volta.
— Eu não estou dizendo que o sentimento que me motivou é falso. Ele não é. — O jovem rapaz retomou as palavras, vacilante, depois de alguns segundos. Não queria deixar nenhuma dúvida no ar. — Mas é que eu não quero pular etapas. A gente não começa uma casa pelo teto ou pelas janelas, nem mesmo pelas paredes. O alicerce é a primeira coisa que deve ser feita. É ele que garante que uma casa fique de pé por um bom tempo. E eu penso que não é saudável queimarmos essa etapa.
— E qual é a primeira etapa? — Lorena perguntou quase num sussurro.
Raul pensou e pensou, mas a resposta parecia não ser tão simples.
— Um jantar, um cinema... — respondeu a loira, divertida, ao notar Raul pensativo.
O jovem rapaz, então, sorriu e murmurou:
— É uma boa maneira de começar, eu acho.
— Estamos marcando um encontro?
— Parece.
Sorriram como duas crianças.
— Onde gostaria de ir?
— Ah! — Raul riu. — É difícil de escolher. Eu não conheço nada em Belo Horizonte, a não ser o centro.
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O Malabarista - Concluída
SpiritualRaul é um morador de rua que perdeu sua mãe e, desde então, vive debaixo de um viaduto com o seu irmão mais novo chamado Kevin, de apenas 7 anos. Ele vive sem muita esperança de ter a sua sorte mudada, embora esteja sempre consolando o seu irmão, di...