— Precisamos conversar, Lori.
Raul disse assim que saiu do banheiro, pronto para se deitar. Sentada na cama, eu o olhei e concordei, fechando o livro que lia. Já se aproximavam das onze horas da noite e, talvez, aquele fosse o melhor momento para esclarecer certas coisas.
— Eu fui uma idiota...
— Não.
Raul se sentou ao meu lado e continuou:
— Não vamos tratar as coisas assim. Você tem as suas razões e eu tenho as minhas. O que a gente tem que fazer é conciliar as duas coisas.
Sustentei o meu olhar sobre Raul por alguns segundos, até que o vi abaixar os olhos para encarar as próprias mãos.
O silêncio nos venceu por alguns instantes, imperando no quarto como rei absoluto. Parecia que nenhum de nós dois sabíamos quais palavras usar.
— Você estava certo — praticamente, sussurrei, também encarando minhas próprias mãos agora. — Eu sempre quero que tudo saia da minha maneira...
— Eu gosto da sua maneira, Lori, mas é que, às vezes...
Ele me olhou, relutante em concluir as palavras.
— Pode falar — encorajei-o.
— Por favor, não fique chateada comigo.
— Eu não vou ficar.
Afirmei com convicção, sorrindo um sorriso sincero, enquanto levava uma mão até sua nuca para acariciá-la.
— Eu só queria que você considerasse os meus gostos também.
— Eu não considero?
Minha pergunta não saiu exatamente como eu queria, ela saiu no impulso, quase que inconsciente.
— Às vezes, não...
Por mais que eu estivesse esperando por aquela resposta, isso não tornou mais fácil ouvi-la.
De repente, eu percebi que sempre fiz de tudo para que Raul se encaixasse na minha vida, mas nunca havia feito nada para encaixar na sua. Eu me preocupei tanto em fazê-lo pertencer a mim que acabei me esquecendo de pertencer a ele. Quis tanto que ele gostasse das mesmas coisas que eu, mas, por fim, não dediquei-me a apreciar os seus próprios gostos.
Falei tanto de mim, da minha cor favorita, da minha comida predileta e do que eu queria para o futuro. Mas, de repente, foi terrível perceber que eu não sabia esses detalhes sobre ele.
Sua parte no closet estava lotada de camisas polos e todas, sem nenhuma exceção, haviam sido compradas por mim. Não porque, um dia, ele havia me dito que aquele era o seu estilo de camisas favorito, mas porque eu achava que ele ficava lindo com elas...
Era isto. O problema estava em mim.
— Não estou reclamando, Lori.
A voz de Raul me puxou de volta para a realidade violentamente — a realidade que eu queria mudar a todo custo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Malabarista - Concluída
SpirituellesRaul é um morador de rua que perdeu sua mãe e, desde então, vive debaixo de um viaduto com o seu irmão mais novo chamado Kevin, de apenas 7 anos. Ele vive sem muita esperança de ter a sua sorte mudada, embora esteja sempre consolando o seu irmão, di...