Capítulo 55

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DOIS DIAS DEPOIS

Raul equilibrou a bandeja que trazia consigo com apenas uma mão e deu duas leves batidas na porta do quarto de Lorena, que logo autorizou sua entrada.

— Trouxe uma sopa para você — disse Raul ao entrar e ver a namorada com Beatriz no colo, enquanto parecia tentar assistir um desenho na televisão junto com a filha.

O MacBook sobre o criado mudo, no entanto, sinalizava que, ainda há pouco, ela estava pesquisando algo.

— Obrigada, bebê. Mas eu estou sem fome.

— Você tem que comer alguma coisa...

Raul parou diante da cama e viu Lorena mover os olhos lentamente da TV para ele. Então, antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, o jovem rapaz completou, preocupado:

— Você não comeu quase nada hoje.

— É que eu não tô com apetite...

— Eu sei, mas é que você não pode ficar esse tempo todo sem comer. Vai te fazer mal.

Lorena desviou o olhar de Raul e pensou por um instante. É claro que ele estava querendo apenas o seu bem e ela sabia. Por isso, colocou Beatriz sobre a cama e estendeu as mãos para receber a bandeja.

— Quer que eu fique com a Bia para você descansar um pouco? — perguntou o jovem rapaz ternamente.

— Se você puder...

— Claro que posso.

Raul se inclinou sobre a cama e pegou Beatriz quando a viu esticar os bracinhos.

— Depois, eu volto para pegar a bandeja — disse Raul, indo até a porta.

— Não quer ficar aqui comigo?

O jovem rapaz deteve os passos perto da saída do quarto, antes de se virar vagarosamente para Lorena e responder:

— É melhor que você descanse. Não tem sido dias fáceis.

— Então... — Lorena pesou as palavras por um instante, antes de prosseguir: — Sobre aquela nossa conversa... Vamos mesmo esperar?

— Tudo tem o seu tempo, amor — respondeu Raul.

Lorena, então, sorriu minimamente e, apaixonada, murmurou:

— Nem parece que você é mais novo do que eu.

Raul, por sua vez, também sorriu fraco e abriu a porta do quarto, mas não saiu antes de dizer:

— Toda espera vai valer a pena, você vai ver.

— Tô doida pra ver! — brincou a loira que, por um instante, apesar dos pesares, pareceu recuperar seu jeito brincalhão.

Mas então, quando a porta do seu quarto se fechou outra vez e ela se viu ali, sozinha com o fato de que Bernardo continuava desaparecido, o choro desceu garganta abaixo junto com a pequena porção de sopa que colocou na boca.

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Raul mal havia chegado ao primeiro andar da casa quando viu Luísa e Cícero entrarem pela porta da sala. Pareciam agitados com algo e traziam em seus rostos um semblante que misturava preocupação e mágoa.

— Cadê a Lorena, rapaz? — Cícero perguntou, indo na direção da escada que levava ao segundo andar.

— Ela... Ela... Ela está lá em cima — respondeu Raul, tomado pela surpresa.

Mas Cícero, sem considerar o susto do genro, passou por ele e subiu quase correndo. O mesmo fez Luísa. Ela, no entanto, ao passar por Raul, brincou brevemente com Beatriz.

— Por que não nos contou sobre o Bernardo?! — Cícero perguntou ao entrar no quarto de supetão.

Lorena, que ainda ia pela segunda colherada de sopa, assustou-se ao ver seu pai, pois, a bem da verdade, não o via pessoalmente há quase seis meses, apesar de suas casas não ficarem tão longe uma da outra.

— Ele é o meu neto. Você não tem o direito de esconder de mim e da sua mãe o que está acontecendo com ele — continuou Cícero com uma rispidez que poucos conheciam nele.

— Acontece que, antes de ser seu neto, ele é o meu filho — retrucou Lorena deixando a bandeja de lado e se levantando. — E não há nada que me obrigue a te dar um relatório sobre o que acontece ou deixa de acontecer dentro da minha casa. Até porque foi o senhor que me mandou cuidar da minha vida. Lembra?

— Mas em momento algum eu renunciei ao meu papel de avô.

— Pode não ter renunciado ao papel de avô, mas renunciou ao papel de pai e já faz um bom tempo.

— Lorena! — Luísa saltou para dentro do quarto, indignada. — Você não pode falar assim! Em que momento o seu pai deixou de ser pai para você?

— No momento em que ele escolheu um lado, mãe. Assim como a senhora. Vocês dois! Vocês dois escolheram um lado nessa história toda. Eu tenho filhos e eu sei que, a partir do momento que eu defendo mais a um do que aos outros, eu acabo com qualquer tipo de harmonia que possa haver dentro de casa. Vocês fizeram isso!

— Isso é coisa da sua cabeça, Lorena! — Cícero exclamou, irritado.

— Claro! Porque a louca sempre sou eu.

— Neste caso, você está sendo, sim. Então você esqueceu de todas as vezes em que estivemos do seu lado? — o pai perguntou com uma veia saltada no pescoço.

— Me esqueci, sim. Porque foram tão poucas vezes que é quase impossível lembrar.

— Você é ingrata, Lorena! — Cícero cuspiu as palavras.

— Eu, ingrata?

— Sim, ingrata. Sempre teve de tudo. Nunca te faltou nada. E agora vem querer dizer que somos pais ruins porque protegemos mais a sua irmã? Ah, pelo amor de Deus! Isso é cuspir no prato que comeu.

Diante daquelas palavras, Lorena não se aguentou e começou a rir. Às vezes, quando o seu nível de estresse chegava ao limite máximo, a sua primeira reação era cair na risada. Mas mesmo alguém que não a conhece seria capaz de perceber que o seu riso era magoado e triste.

Raul, que estava no corredor que dava acesso aos quartos, tentando acalmar Beatriz que, com toda aquela discussão, começou a chorar, de repente, pensou que aquilo tinha que acabar. Já não bastava a angústia causada pelo desaparecimento de Bernardo, não podia ser que mais um desconforto fosse adicionado ao clima por ocasião da chegada dos pais de Lorena.

— Dona Luísa e Sr. Cícero, me desculpem, mas eu acho que vocês não estão ajudando — disse o jovem rapaz, deixando de lado a sua hesitação.

O casal, então, se virou ao mesmo tempo para Raul e o fitou com um olhar não muito amigável. Mas ele não se deixou abalar e continuou:

— A Lorena está cansada. Até agora, a gente não conseguiu nenhuma pista de onde o Bernardo pode estar. Estamos todos tensos e eu imagino que vocês também estejam. Então não vamos gastar o nosso tempo brigando, porque isso só vai piorar as coisas e não vai trazer o Bernardo de volta.

Cícero passou uma mão pelo rosto, como se quisesse espantar os pensamentos e, então, sem dizer mais nada, saiu do quarto da filha, descendo para o primeiro andar e indo rumo à saída. Enquanto Luísa se aproximou de Lorena e a segurou pelos dois ombros para dizer:

— Seu pai não anda bem, Lori.

— E a senhora acha que eu ando? — Lorena retrucou com rancor.

— Eu quero dizer que ele realmente não anda bem — reiterou Luísa, que saiu do quarto logo em seguida sem dizer mais nada.

Será que, algum dia, a calmaria haveria de chegar àquela família finalmente? Humanamente dizendo, era impossível ter certeza de que sim. As mágoas pareciam tão profundas e os conflitos, tão grandes. Mas para que venha a bonança é preciso que, primeiro, tenha havido a tempestade. O importante é continuar remando.

O Malabarista - ConcluídaOnde histórias criam vida. Descubra agora