Depois de acomodar Kevin e Raul, Lorena finalmente pôde parar um instante e arrancar o salto que apertava seus pés. Em dias menos corridos, a loira já o arrancava dentro do carro, mas, naquela ocasião, não teve tempo para pensar nisso até que se viu na sala com Bernardo.
— Bê, faz um favor pra mim. Pede duas pizzas de oito pedaços.
— Pizza? Nós vamos comer pizza, mãe? — Ícaro, que vinha descendo as escadas, perguntou com empolgação.
— O senhor não deveria comer — disse Lorena se virando para o pequenino e recebendo-o no colo com um beijo. — A Gilda me contou que você não jantou.
— Eu não tava com fome.
— Não tava, né?
É claro que Lorena não acreditava naquela desculpa esfarrapada, mas, talvez, por causa das "visitas" ela resolveu deixar passar daquela vez.
— Você vai passar o cartão, mãe? — Bernardo perguntou segurando o telefone.
— Sim, no débito — Lorena respondeu, levantando-se.
Havia muitas coisas em Lorena que haviam mudado completamente desde que se tornou mãe pela primeira vez aos 18 anos. Mas, talvez, a mudança mais evidente, para quem já a conhecia há anos, era o fato de que agora, com o tempo, ela se tornou verdadeiramente uma mãe. Foi uma mudança que, embora radical, passou despercebida por ela mesma. Claro, não foi como se de uma hora para outra tivesse deixado de ser aquela jovem inexperiente. Havia sido uma mudança lenta e gradual que se concretizava dia após dia.
Estava com 32 anos e, embora não admitisse, essa idade já estava começando a incomodá-la, pois via os anos passando rapidamente e, então, era inevitável não pensar para onde estava indo. E a recente separação que havia sofrido foi de fato um balde de água fria em sua cabeça. Pensar na ideia de que já não tinha mais 18 anos, que já não era adolescente, que não era só ela, mas ela e mais três. Tudo isso a aterrorizava profundamente.
Além disso, as mudanças não haviam sido apenas comportamentais. Seu corpo já não era o mesmo, e aí residia um outro incômodo seu. Era bonita, deslumbrante, mas não era o que queria ser. Algo ainda faltava, apesar do sucesso profissional, dos filhos saudáveis, do bom carro, da boa casa, dos amigos e até dos pretendentes que, apesar da recente separação, já batiam à porta do seu coração. O que era esse buraco em seu peito?
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Raul saiu do banheiro de coração lavado. A diferença que um banho podia fazer era incrível. Seu rosto, no entanto, continuava quase o mesmo, inexpressivo, a única mudança realmente considerável era que, agora, era finalmente possível perceber que ele tinha olhos castanhos claros.
Ao terminar seu banho, notou, porém, que o banheiro onde estava Kevin permanecia com a porta fechada e era possível ouvir o barulho do chuveiro. Então, temendo que o garotinho gastasse água demais, abriu a porta do banheiro, achando-a destrancada por sorte, e encontrou um Kevin coberto de espuma de shampoo cantarolando algo que nem parecia uma música.
— Kevin! — Raul exclamou deixando sua roupa suja, toalha e tênis sobre a pia. — O que você ainda está fazendo aí?
— Nossa, Raul! A água aqui é tão quentinha — disse Kevin, despreocupado.
Sem dizer muito, o jovem rapaz colocou Kevin debaixo do chuveiro, já que o pequenino, em vez de se enxaguar, fazia desenhos na parede do box com a espuma, e o fez ficar limpo em dois minutos.
— Raul, você também tomou banho? — Kevin perguntou alegremente enquanto Raul o enxugava.
O rapaz, que ainda tinha os cabelos levemente molhados, sorriu de lado e respondeu:
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O Malabarista - Concluída
SpiritualRaul é um morador de rua que perdeu sua mãe e, desde então, vive debaixo de um viaduto com o seu irmão mais novo chamado Kevin, de apenas 7 anos. Ele vive sem muita esperança de ter a sua sorte mudada, embora esteja sempre consolando o seu irmão, di...