— Cara, eu garanto que você conheceu a melhor pessoa do mundo — disse Luís Fernando com os olhos cheios de brilho.
Raul, após toda a confusão e enquanto Lorena ainda estava em seu quarto, contou aos pais e ao irmão dela toda a história de como a havia conhecido. E, a princípio, ele até achou que a família dela esboçaria certa estranheza, mas tudo apontava para o fato de que todos ali conheciam o bom coração dela.
— A Lori é aquele tipo de pessoa com a qual você pode contar em qualquer momento da sua vida — Luís Fernando prosseguiu.
Raul sorriu, pois já havia notado boa parte de suas qualidades.
— É por isso que ver ela e Luana brigando desse jeito aperta nosso coração. Não é, querido? — Luísa se virou para o marido, que assentiu em silêncio.
— A Luana sempre foi uma mal-amada — disse Luís, sem pensar.
— Nando...
— Não, mãe. É a mais pura verdade! — o rapaz insistiu. — A Lori sempre fez tudo por ela e ela nunca teve a humildade de agradecer.
Luísa e Cícero balançaram a cabeça, como se concordasse, mas nada disseram.
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Bernardo bateu na porta do quarto de Lorena pela sexta vez, mas não obteve resposta. O garoto estava com o coração apertado. Luísa, sua avó, lhe havia aconselhado a deixar Lorena sozinha um pouco, mas ele não conseguia. Aquele domingo tão ensolarado, tão alegre, de repente, se tornou cinzento. O que era para ser uma tarde em família, terminou sendo uma tarde tensa.
— Cadê minha mãe? — Ícaro perguntou ao cruzar com Bernardo na escada.
— Brigou com a tia Luana.
— De novo? — Ícaro perguntou e, de certa forma, para os mais observadores, era possível notar um tom em sua voz que denunciava sua preocupação de criança.
— Quem é Luana? — Kevin perguntou inocentemente.
— É a irmã da minha mãe. Eu odeio ela — respondeu Ícaro.
Bernardo, que tinha quase o mesmo sentimento que o irmão, mas não costumava confessar em voz alta, prosseguiu seu caminho até o andar debaixo, onde insistiu com a avó mais uma vez:
— Vó, eu tô preocupado com a minha mãe.
— Oh, querido! Ela...
— Eu vou lá falar com ela — Luís Fernando se prontificou, levantando-se.
Mas, poucos minutos depois de ter subido, ele desceu novamente, sem respostas.
— Acho que o jeito é esperar que ela queira sair de lá de dentro — disse Luís, sentando-se novamente no sofá.
Raul, um pouco indeciso sobre se devia ou não se oferecer em ajuda, se levantou e perguntou, hesitante:
— Será que...?
Todos voltaram seus olhares para o jovem rapaz, que hesitou ainda mais:
— Será que eu posso tentar falar com ela? É o mínimo que eu posso fazer depois de tudo que ela tem feito por mim.
Ninguém se opôs à ideia e, então, Raul deixou a sala.
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Lorena estava na sacada do seu quarto tentando controlar as lágrimas que pareciam não ter fim. Às vezes, ela pendia a cabeça para trás e fungava, limpando as proximidades dos olhos com a ponta dos dedos. Mesmo quando não havia ninguém a observando, ela não gostava de chorar.
Então, pela enésima vez desde que ela se trancou em seu quarto, batidas na porta soaram e Lorena as teria ignorado completamente, como fizera com as outras, se, juntamente com as batidas, não tivesse soado também uma voz amena que perguntava:
— Está tudo bem?
Aquela voz era inconfundível.
— Está todo mundo preocupado com você.
Uma pausa e Lorena deixou a sacada, indo na direção da porta.
— Eu estarei aqui se você quiser ...
Lorena abriu a porta no meio da frase de Raul, que conteve as palavras quando a viu.
— Me desculpe! Eu te convidei para um almoço e, agora, você provavelmente está tendo uma indigestão com toda essa confusão — disse ela tentando ressuscitar seu senso de humor.
— Você não precisa se desculpar por isso. Eu entendo perfeitamente.
— Não é sempre assim, eu juro. É que a minha irmã me tira do sério.
— Eu vi...
— A propósito, ela te chutou... Tá tudo bem?
— Comigo, sim. E com você?
Lorena riu, não porque achou graça da pergunta, mas sim porque lhe bateu uma tristeza de repente.
— Eu tento me apegar às coisas boas — respondeu ela, saindo pela tangente do assunto.
— Isso é importante. Sempre olhar o copo meio cheio, né?
Lorena assentiu e, concentrando-se para não chorar, prosseguiu:
— Apesar de que tem dias que a gente não quer nem levantar da cama, mas aí eu lembro que eu tenho filhos, pacientes, família, amigos...
Ela concluiu com um suspiro alto, olhando para cima e piscando várias vezes, em uma vã tentativa de espantar as lágrimas.
— E é tipo, — retomou — "Levanta a cabeça, Lorena!", mas...Isso cansa, sabe? Ser forte o tempo todo, cansa.
— Existe um versículo, e eu gosto muito dele, que diz...
Lorena enxugou as lágrimas e fitou o jovem rapaz, que fechou os olhos por alguns instantes, a fim de apanhar da memória as palavras que queria dizer:
— O meu corpo e o meu coração poderão fraquejar, mas Deus é a força do meu coração e a minha herança para sempre.
Raul abriu os olhos, revelando-os marejados, e completou:
— Eu repito esse versículo na minha cabeça sempre que eu penso em desistir. Não é nenhuma fórmula mágica, mas sempre me ajudou.
Lorena sorriu, mais calma, e disse, admirada:
— Eu queria ter a sua fé. Você perdeu os seus pais, teve que criar o seu irmão sozinho na rua e, ainda assim, continua acreditando em Deus. Eu perdi a minha fé por muito menos do que isso.
— Se eu tivesse deixado de acreditar nEle, nada mais me restaria.
Ambos sustentaram seus olhares um sobre o outro por mais alguns segundos e, então, Lorena começou a rir abafado.
— Que foi? — Raul perguntou quase sendo contagiado pelo riso dela.
— Você é tão ajuizado que me deixa até sem graça. Eu tenho certeza que, se eu tivesse metade do juízo que você tem quando eu tinha a sua idade, eu teria evitado muita coisa na minha vida.
Raul sorriu abaixando a cabeça, enquanto ficava vermelho de vergonha.
— Mas agora vamos descer porque eu ainda tenho um domingo para salvar — disse Lorena ao cabo de alguns segundos. — E... Ah, antes que eu me esqueça. Obrigada por entrar na frente quando a Luana tentou me chutar.
— Não precisa me agradecer.
— Foi bom ter essa conversa com você. Acho que eu precisava disso. E me desculpe pelos desabafos é que... É tanta coisa, sabe?
— Tudo bem. Eu te entendo.
Lorena sorriu mais uma vez e, então, desceram para o primeiro andar. De maneira que sua família ficou levemente surpresa quando viu que ela já tinha recuperado seu semblante alegre, como se a tempestade de minutos atrás nunca tivesse acontecido.
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O Malabarista - Concluída
SpiritualRaul é um morador de rua que perdeu sua mãe e, desde então, vive debaixo de um viaduto com o seu irmão mais novo chamado Kevin, de apenas 7 anos. Ele vive sem muita esperança de ter a sua sorte mudada, embora esteja sempre consolando o seu irmão, di...