— E isso tem a ver com o 'trágico' que você falou mais cedo? — Perguntou Marília, se aproximando e se escorando na cabeceira da cama, ao lado de Maraisa.
— Tem — Maraisa suspirou, olhando para o próprio colo, os dedos brincando com a fronha do travesseiro. — Eu... Eu nunca contei isso para ninguém...
— Tudo bem — disse Marília, tentando acalma-la.
Maraisa começou ainda olhando para baixo, quase como se houvesse ensaiado (e talvez tivesse, só um pouquinho).
— Quando eu tinha uns 15 anos eu e minha família nos mudamos para Ohio, minha avó estava tendo alguns problemas de saúde e precisava da minha mãe por perto para ajudar, eu fui para uma nova escola, lá eu conheci essa garota.
Pausou por alguns segundos.
— Beatriz, nunca vou me esquecer. Desde a primeira vez que eu a vi senti algo diferente, mas era difícil, sabe, era a primeira vez que eu me sentia atraída por uma garota, eu não sabia o que fazer, mas ela aparentemente sabia, nós começamos a conversar e em questão de semanas nos tornamos bem intimas, ainda não namoradas, mas, intimas.
Maraisa mordeu o lábio.
— Um tempo depois Bia me disse como se sentia em relação a mim e eu disse que o sentimento era reciproco, eu estava tão feliz, pela primeira vez era como... Como se eu estivesse livre, estivesse sendo eu mesma, nós já estávamos juntas a algum tempo quando eu decidi que iria contar pra minha família. — Os olhos de Maraisa lacrimejaram.
— Eu me lembro perfeitamente, eu cheguei em casa, estavam todos no sofá, então eu parei na frente deles e disse tudo, o jeito que eles me olharam, foi terrível, era como se eu tivesse dito que havia matado alguém ou algo do tipo, minha mãe me pegou pelo braço e me levou para o quarto, ela disse coisas horríveis, inclusive que ia me mandar para uma escola católica para "ser curada", minha vó tentou impedir, ela era a única pessoa do meu lado, mas ela estava velha e doente demais, ninguém a dava ouvidos, eu fui para a escola católica sem mal poder me despedir de Bia, após alguns dias lá, minha mãe me ligou e disse que minha vó havia falecido e que era minha culpa.
— Desculpe... Ela te culpou pela morte de seu avô? — Perguntou Marília, chocada.
— Sim, ela dizia que eu havia deixado minha avó nervosa e isso agravou sua doença, quando fui ao funeral tive a chance de conversar com minha mãe, eu não queria voltar para aquela escola terrível e depois de tudo que minha mãe havia dito, eu realmente estava me sentindo culpada, então eu disse para ela que estava arrependida, que eu não amava Mia e que tudo não havia passado de uma fase ruim, ela me fez prometer que iria frequentar a igreja "para não seguir o caminho errado novamente", fazer acompanhamento psicológico e até hoje ela não me deixa em paz.
Marília a fitava, esperando ansiosamente o resto da história.
— Ela me inferniza cada vez que alguém se aproxima de mim — Maraisa inspirou fundo – Eu mal tenho amigas por causa disso, só converso com Maiara, eu já tentei mudar meu telefone, excluir minha família inteira do Facebook, até moro em outro estado, mas ela sempre acha um jeito de me vigiar.
— Mas você é adulta, você pode pedir uma ordem de restrição ou algo do tipo, você não tem que ser infeliz para sempre só porque a sua mãe é uma merda! — Disse Marília, alterada.
— Ela é minha mãe, Marília, ela pode ser preconceituosa, paranoica e o que for, mas ainda é minha mãe! — Maraisa fungou — Eu ainda seria infeliz se estivesse em um relacionamento com uma pessoa que amo, mas não pudesse ter contato com a minha família, eu tive que escolher.
— Eu poderia estrangular sua mãe agora.
Maraisa tentou sorrir, mas Marília percebeu que ela se controlava para não chorar, seu rosto estava vermelho e seus dedos tremiam, antes que a loira pudesse dizer qualquer coisa, a mulher se forçou a continuar, agora se virando diretamente para ela, seus olhos castanhos brilhavam, começando a marejar.
— E eu acho que ainda carrego um certo trauma, sabe, minha mãe falou tanto que às vezes eu me sinto culpada pelo falecimento da minha avó.
— Mas você não tem culpa, ela estava doente, você mesma disse que ela estava do seu lado, a sua mãe só te disse isso pra te deixar com a consciência pesada, ela queria que você se sentisse mal e ela conseguiu... — Interrompeu Marília
— Eu sei... — Disse Maraisa, as lágrimas caindo.
— Está tudo bem — sussurrou, acariciando os cabelos morenos. Uma parte sua queria pular no pescoço da mãe de Maraisa e matá-la, mas a maior parte de si queria ficar ali, confortando-a, a abraçando, tudo para fazê-la parar de chorar.
Maraisa ergueu a cabeça para olhar para Marília e a loira poderia desmoronar só de ver aqueles olhos, agora mais castanhos do que nunca, molhados de lágrima, secou uma de suas lágrimas com o polegar.
A morena franziu o nariz e se levantou rapidamente.
— Eu vou trocar de roupa... nós precisamos dormir.
Quando Marília ia dizer alguma coisa, ela balançou a cabeça.
— Nós vamos conversar. Mais tarde. Só... Me dê um minuto. Eu preciso me recompor.
Com um soluço, ela entrou no banheiro.
*
Ta aí, os motivos pelo qual Maraisa é meio fechada e não se permitia gostar de Marília.
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The Experiment | Malila
ChickLitUm milhão de dólares, esse era o valor do prêmio que a maior rede de cientistas do mundo estava oferecendo para duas pessoas que fossem escolhidas para fazer parte de um experimento social. Esse experimento se baseava em colocar duas pessoas de pers...