Capítulo 20

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Camila


Em Austin vamos ficar em uma casa de seis quartos com um celeiro incluído. Celeiro vermelho fabuloso esse que é onde Shawn treina. Ele ficou empurrando pneus de trator durante todo o dia. Subindo as escadas externas com sacos de cimento em cima dos ombros. Subiu as cordas penduradas acima das vigas do celeiro, oscilou pelas vigas e, em seguida, correu comigo em torno da propriedade. Está treinando como um animal, e mal-humorado como um gorila louco, também. Embora ele pareça estar especialmente mal-humorado apenas com os outros membros de sua equipe, e eu seja a única que o acalma. Daí que Wallace e o treinador me imploram que eu o ajude a alongar quando ele começa a ficar chateado com alguma coisa, como o ajuste dessas “merdas dessas luvas com as quais ninguém consegue lutar”. Essas sessões de relaxamento são uma tortura para mim. Deslizar as mãos pelo peito suado. Austin é quente em julho, e ele tira a camisa e o contato de pele com pele desestabiliza todas as minhas partes, me levando de volta para cada sensação de estar nua na cama com ele. Todas as noites, desde o incidente do ovo, uma semana atrás, eu me deito na cama, olhando para a porta. Sei que deveria me satisfazer sozinha para encontrar algum alívio, mas o que quero dele agora é muito além de sexo, e nem quero dar um nome a isso. Ainda que saiba muito bem o que é. Em nosso voo para cá, trocamos músicas e me vi sempre sem fôlego esperando para ver a música que ele tocaria pra mim. Tentei manter minha seleção pouco romântica para ele, e de fato tive uma emoção particular quando o Shawn fez uma careta para todas as músicas de poder feminino que escolhi. Ele, por outro lado, me deu as músicas mais românticas que ouvi em meus anos de adulta, destacando o final, onde um cara toca a música para o amor de sua vida em seu aparelho de som. O filme chama-se Digam o que quiserem, mas a música é “In Your Eyes”, de Peter Gabriel. Sério que eu queria derreter no couro do banco do avião quando ele começou a tocar para mim, com seus olhos de chocolate derretido atentamente me observando enquanto eu absorvia a letra que fala de como encontrar a luz em seus olhos... Que droga. Ele. Ele não me tocou desde a noite em que tomamos banho juntos. Mas as coisas que disse... O jeito que me beijou... Eu o quero tanto, às vezes tenho vontade de bater na cabeça dele e arrastá-lo para a minha caverna, onde a opinião de ninguém interessa, só a minha. E eu digo que vamos fazer tudo noite adentro, e ponto final. Hoje estou dentro de casa, procurando algumas faixas elásticas na minha mala, que vou usar para fazer seu relaxamento no final da tarde. Esta é apenas uma tática para que eu não tenha que tocá-lo mais e para me poupar de outra noite sem dormir de tanta excitação. Passo pela porta da frente com a faixa pendurada entre meus dedos, e vejo o Gui lá, segurando a porta meio fechada enquanto fala com alguém do outro lado. Quando passo, vejo um homem de cabelos grisalhos e uma mulher através do canto do meu olho, e de repente eles me chamam.
— Menina, por favor, você nos deixa falar com ele?
A voz feminina me para no meio do caminho, pois sou a única menina da casa, a menos que alguém tenha começado a se travestir aqui, e não acho que o treinador faça isso. Quando dou um passo adiante, a mulher alta e magra, de aparência frágil, apressa-se a me dizer, com o rosto pálido e seus olhos tristes de um chocolate escuro:
— Nós não sabíamos o que fazer. Ele se sentiu abandonado, mas era muito forte e ninguém podia controlá-lo, muito menos eu.
Meu cérebro processa as palavras em silêncio, e enquanto isso acontece, olho para eles e fico atrás do Gui.
— Mais uma vez, eu realmente sinto muito – Gui responde formalmente.
— Mas mesmo se ele não estivesse ocupado, não há nenhuma maneira de levá-los até ele. Mas tenham a certeza de que farei contato se alguma coisa mudar.
Ele bate a porta um pouco com força demais, e solta um longo suspiro. Finalmente, minha mente fala comigo:
— Eram os pais do Shawn? – pergunto, perplexa e chocada. De repente, percebo que os olhos castanhos de seu pai são inconfundíveis na cor, e apesar dos cabelos brancos, o homem tinha uma estrutura óssea incrivelmente grande e saudável. Gui assente com a cabeça e esfrega a testa, parecendo extremamente agitado.
— Sim, os próprios.
— Por que o Shawn não quer vê-los?
— Porque os nojentos trancaram o Shawn em uma ala psiquiátrica aos treze anos e o largaram lá até que ele fosse adulto o suficiente pra poder sair por conta própria.
Uma sensação terrível se instala em minhas entranhas, e por um momento, a única coisa que faço é ofegar.
— Ala psiquiátrica? Para quê? O Shawn não é louco – digo,rapidamente indignada em
nome dele enquanto sigo Gui pela sala de estar.
— Não precisa me dizer isso. Foi uma das injustiças mais frustrantes que já tive de presenciar na minha vida.
Com o peito apertado, pergunto:
— Gui, você estava junto quando ele foi expulso do boxe?
Ele balança a cabeça em uma negativa, sem diminuir o passo:
— O Shawn tem pavio curto. Basta acender e ele explode. Sua concorrência queria ele fora. Fora do ringue. Ele mordeu a isca. Foi expulso. Fim da história.
— Bem, ele ainda está bravo com isso?
Gui abre as portas do terraço que leva pelo jardim até o celeiro, e eu o sigo, protegendo com a mão os olhos, diante do brilho do sol.
— Ele está com raiva, tudo bem, mas não especificamente disso – diz o Gui. — Lutar é tudo o que ele sabe. Tudo o que ele tem e que pode controlar em sua vida. Crescer foi uma pura rejeição. É quase impossível fazer com que ele se abra. Mesmo com aqueles que estiveram com ele por tanto tempo.
— Como você acha que seus pais sabiam onde estávamos? Pensei que esta casa fosse pra manter a imprensa longe, desde o incidente do ovo.
— Porque esta é a casa do Shawn – diz Gui quando vejo o encantador celeiro vermelho que aparece à frente depois dos gramados. — Depois que ele saiu, ganhou dinheiro lutando, então comprou a casa, tentando provar pros velhos que ele poderia ser alguém... Mas eles ainda não queriam nada com ele. Ele ficou empacado com a casa, e agora só a usa quando está na cidade, pra manter a imprensa afastada. Ele tem um monte de fãs em Austin.
Sinto fisgadas de todos os lados com esta informação. Indignação pura pelo jovem Shawn preenche minhas entranhas, me deixando sem fôlego.
— Que tipo de pais abandona seus filhos como eles fizeram, Gui? E por que diabos iriam procurá-lo agora?
O Gui suspira.
— De fato, por quê? – Ele balança a cabeça com tristeza, em seguida avistamos Shawn dentro do celeiro aberto, atingindo um saco de areia que o treinador tinha pendurado nas vigas. Parecendo um pouco em pânico, o Guilherme me puxa instantaneamente pelo
cotovelo.
– Não deixe escapar que você sabe alguma coisa sobre isso, eu imploro. Ele está  totalmente emputecido desde que soube que estávamos vindo pra cá. Muito rapidamente seus pais o deixam irritado, e seu temperamento anda uma merda esses dias.
Concordo com a cabeça e afasto o cotovelo.
— Não vou. Obrigada pela confiança.
— Ei, Camila, tente alongar o Shawn, a forma dele não está a ideal. O treinador acha que ele tem um nó nas costas — Chama o Wallace.
Assentindo com a cabeça, ando mais um pouco e ouço, em vez de ver, Shawn socando o saco mais e mais rápido a cada passo que dou para mais perto dele. Francamente, estou surpresa de que ele não pare quando chego ao seu lado.
— O treinador não está feliz com sua forma e o Wallace acha que eu posso ajudar – digo, e observo fascinada a criatura elegante esmurrando o saco de pancadas com ambos os punhos, com uma profunda expressão de concentração no rosto, e admiro o que o Shawn fez consigo mesmo, apesar da rejeição que enfrentou quando era mais jovem.
— Shawn – chamo. Ele não responde, e em vez disso se desloca lateralmente e joga um punho após o outro em questão de segundos, fazendo com que o pobre saco voe.
— Você vai me deixar te alongar? – sigo em frente. Ele inclina seu corpo mais uma vez e me dá suas lindas costas, e continua a bater como um louco. Quero tocá-lo, especialmente depois de tudo o que o Gui me disse, então solto o elástico aos meus pés, porque a última coisa que desejo é alguma coisa entre mim e ele.
— Você vai me responder, Shawn? – minha voz suaviza quando me aproximo e estico um braço. Tum, tum, tum... Toco suas costas. Ele endurece, deixa cair a cabeça e se vira. Tira as luvas de boxe e joga-as de lado.
— Você gosta dele? – seu sussurro é baixo, seu toque gentil ao chegar perto e colocar sua mão onde o Gui me tocou. — Você gosta quando ele te toca? – Mas seus olhos, meu Deus. Eles brilham em mim. Sua mão é o dobro do tamanho da mão do Gui e está fazendo todas as coisas em meu corpo. Olho para ele, borboletas explodindo na minha barriga, e seja o que for que estamos jogando, quero que continue indefinidamente, mas quero que pare. Há algo incrivelmente animal na maneira como ele age em torno de mim, algo que traz à tona os instintos profundamente enraizados lá dentro.
— Você não tem direito sobre mim – digo com raiva e sem fôlego.
Ele fecha as mãos.
— Você me deu direitos quando gozou na minha coxa.
Minhas bochechas queimam com a lembrança.
— Eu ainda não sou sua – atiro de volta. — Talvez você esteja com medo de que eu seja mulher demais pra você?
— Eu fiz uma pergunta e quero uma resposta. Você adora quando outros homens a tocam? – ele exige saber.
— Não, seu idiota, eu gosto quando você me toca!
Depois da minha explosão, ele olha para a minha boca quando mergulha o polegar na dobra do cotovelo. Seu tom de voz é rude.
— O quanto você gosta do meu toque?
— Mais do que eu queria – devolvo, ofegante e sem fôlego por causa dele.
— Você gosta o suficiente pra me deixar acariciá-la na cama hoje à noite? – ele pergunta sem rodeios. Minha pele formiga, e vou ficando incrivelmente quente entre as minhas pernas. Suas pupilas estão totalmente ampliadas com a fome.
— Gosto o suficiente pra deixá-lo fazer amor comigo.
— Não, isso não. – Ele aperta a mandíbula e me encara com olhos castanhos atormentados. — Só se tocando. Na cama. Esta noite. Você e eu. Quero fazer você gozar. – Ele me olha, uma pergunta em sua expressão. Sinto o seu temperamento sombrio se agitando debaixo da superfície em frustração. Há uma necessidade em mim que quer apaziguar isso... Mas não posso segui-la. Quero muito tocá-lo, só que não consigo entender por que ele resiste ao chamado e não transa comigo. Não aguento uma noite em seus braços sem ir até o fim. Afasto o braço e endureço a minha voz.
— Olha, não sei o que você está esperando, mas não vou ser o seu brinquedo.
Ele me pega de novo e me traz mais perto, abaixando a cabeça para mim.
— Você não é um jogo. Mas eu preciso fazer isso do meu jeito. Do meu jeito. – Ele enterra o rosto no meu pescoço e me cheira, e sua língua lambe minha orelha. Ele geme e traz meu queixo para cima, para que os nossos olhos se encontrem. — Eu estou indo devagar por você. Não por mim.
Meus joelhos ameaçam fraquejar, mas de alguma forma consigo sacudir a cabeça em desacordo.
— Isso já está indo longe demais, e estou perdendo rapidamente o interesse. Vamos apenas alongá-lo. – Vou para suas costas e ele me empurra como se eu o tivesse cortado com uma faca.
— Não me incomode, porra. Vá alongar o Gui.
Shawn pega a toalha, enxuga o rosto e então segue esmurrando o saco de areia com as mãos nuas. Marchando com uma cara feroz, digo a Wallace:
— Ele não me quer.
— A declaração mais enganosa do século, garota – diz ele, revirando os tristes olhos.

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