Capítulo V - Almoço de família

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- Chloe, acorda, são quase horas de almoço, levanta-te!

Argh. Que dor de cabeça. A voz da minha mãe vinha do andar de baixo e mesmo assim fazia o meu cérebro estremecer. Olhei para o lado, peguei no telemóvel e vi as horas.

12:53h

Precisava de dormir.

- Chloe, anda, tenho uma surpresa para ti!

Tanta insistência. Sentei-me na cama e apercebi-me que dormi vestida, por cima da cama. Ri. Que noite.

- Vou só tomar um banho mãe - gritei lá para baixo, e senti uma pontada forte na cabeça.

Estava cheia de sede. Peguei na garrafa de meio litro de água que tinha na mesa de cabeceira, ao lado do telemóvel, e bebia de uma vez.

Fui para a minha casa de banho, despi o vestido, tirei os collants, que tinham um rasgo, então deitei-os no lixo. Pus a roupa toda no cesto da roupa suja e liguei a água quente.

Enquanto a água aquecia, olhei-me no espelho. Estava com um aspecto horrível, tinha a maquilhagem toda borratada e estava demasiado branca. Fora isso, tinha um gosto desagradável na boca.

Entrei na banheira, amornei a água, pus-me debaixo do chuveiro e fechei os olhos.

Txau Cinderela.

Conseguia ouvir a voz do Noah dentro da minha cabeça, e isso dava-me uma sensação estranha na barriga.

Porque é difícil ser mau contigo o tempo todo quando só... enfim, Segunda-feira volta tudo ao mesmo. Vá, agora vai embora, isto nem devia estar a acontecer.

Quando só o quê? E o que é que não devia estar a acontecer? Ele ser simpático comigo?

...enfim, Segunda-feira volta tudo ao mesmo.

Estúpido. Se realmente ele vai voltar ao mesmo, então não vou sequer perder mais tempo a pensar nele.

Acabei o meu banho, enrolei uma toalha no cabelo e outra à volta do corpo, fui buscar o desmaquilhante e passei-o na cara.

Pus um bocado de base para ficar com melhor aspecto, um eyeliner preto e um gloss rosa para tirar aquele tom branco dos meus lábios.

Fui à janela ver como estava o tempo. Nuvens, vento, frio. Lá vem o Inverno.

Abri o armário, tirei umas calças de ganga cinza claro. Uma camisola quentinha branca que deixava ver os meus ombros. Tirei o casaco de cabedal preto para vestir caso saísse. Vesti-me rápido porque estava cheia de frio. Peguei nas botas pretas de cano alto, calcei-as e voltei para a casa de banho. Sequei o cabelo com a toalha. Pus espuma no cabelo e olhei novamente ao espelho.

Está melhor - Pensei.

Desci as escadas e encontrei a minha mãe na sala. Sozinha.

- O pai, mãe? Não me digas que foi para o escritório outra vez - perguntei.

- Não. Hoje vamos almoçar os três! - sorriu ela enquanto se levantava e vinha ter comigo.

- A sério? Não me digas que vamos comer estufado outra vez - gozei.

- Não, não vamos. Hoje vamos almoçar fora - disse ela alegremente.

Lá está o meu querido pai a compensar-nos com luxúria.

A minha mãe estava toda aperaltada, com uma camisola vermelha com transparências e uma saia preta justa. Tinha o cabelo apanhado, que ainda assim lhe chegava a meio das costas.

- Paul, finalmente - sorriu enquanto via o meu pai descer as escadas.

Podia dizer que o meu pai também vinha arranjado, mas a verdade é que ele se veste sempre assim. Tinha um fato cinzento, com uma gravata às riscas cinzentas claras e escuras. Tinha uma camisa branca por dentro, e o cabelo todo penteado para trás.

Há quem diga que eu sou a cara do meu pai. Os meus olhos quase negros, as minhas expressões faciais, o mesmo sorriso, os mesmos lábios.

- Como estão as mulheres da minha vida? - perguntou, enquanto beijava a minha mãe.

- Estamos cheias de fome! Vamos? - perguntei.

Ok, eu não tinha fome nenhuma depois da noite anterior, e juro que adorava ver os meus pais bem e amorosos, mas aquele mel todo na minha presença incomodava-me.

- Vamos! Vou levar-vos ao melhor restaurante da zona!

*

Provavelmente era mesmo o melhor restaurante da zona. Demais até.

Sentamo-nos numa mesa com o nosso nome no centro. À minha frente tinha uma data de talheres e de copos, e quase me senti mal por não estar devidamente arranjada para aquele evento.

O meu pai já tinha escolhido o que seria o almoço quando fez a reserva, então serviram-nos logo. Bifes com cogumelos e molho de café, acompanhados de puré de maçã. Gourmet que dói.

- Chloe, diz-me, o que estás a achar da tua nova escola? - perguntou enquanto comíamos.

- Não digas escola pai. É universidade, escola soa mal - ri . - Está a correr bem. Até agora estou a gostar muito. A matéria é acessível, os professores são muito atenciosos e bons profissionais.

- Ainda bem. Esta fase é muito importante - respondeu ele.

- Eu sei - disse, enquanto picava a comida com o garfo sem grande apetite.

- Por isso não quero que desperdices esta oportunidade com farras como a de ontem

- Paul, por amor de Deus, foi uma festa de boas vindas! - interrompeu a minha mãe, adivinhando que isto ia dar bronca.

- Uma festa até de manhã Evelyn? - respondeu ele, num tom agressivo.

Sentia a raiva a borbulhar dentro de mim. Não me ia conseguir controlar durante muito mais tempo.

- Paul por favor! - suplicou baixinho a minha mãe.

- Eu tenho de zelar pelo futuro da Chloe!

- Qual futuro, pai? - explodi. A esta altura já estava a falar demasiado alto, sentia os olhos das pessoas à nossa volta postos em nós - Qual futuro?! Um futuro sem ti? Estás a acusar-me de quê? Porque pela primeira vez em anos eu saí e cheguei tarde a casa? Logo tu, que chegas todos os dias tarde a casa, não te vi uma única vez desde que as aulas começaram, o que já foi há quase uma semana! A única coisa que via era um envelope estúpido com dinheiro para me compensar pela tua ausência? Então fica com o teu dinheiro, com as tuas compensações, com a tua hipocrisia e os teus falsos moralismos! E sabes que mais? Eu detesto cogumelos! - gritei. Atirei com os talheres para cima da mesa, peguei no meu casaco e na mala, e saí do restaurante.

Tremia por todo o lado. Detesto estas situações. Normalmente não falo, guardo para mim e acumulo. Mas não deu mais. Explodi, e quando isso acontece, falo sempre demais. A adrenalina percorria o meu corpo. Eu precisava de sair dali.

Peguei no telemóvel e liguei à Susan.

- Estou, Susan?

- Chloe, amiga! Estava preocupada contigo, estou farta de ligar para ti e de te mandar mensagens! Nem imaginas o que me aconteceu ontem...

- Desculpa, tinha o telemóvel na mala e deve estar no silêncio. Susan, podes vir ter comigo? Preciso de falar com alguém!

- Claro. Onde é que estás?

- Encontramo-nos no Lotus, pode ser? Sabes onde é?

- Sim, sei. Vou já para lá. Mas Chloe, está tudo bem?

- Está. Quer dizer, não. Oh não sei. Já falamos. Até já.

Thank you. ChloeOnde histórias criam vida. Descubra agora