Nos dias seguintes, não fui às aulas. Não queria. Aproveitei o fim-de-semana para ficar em casa e decidi que na semana seguinte também não iria à universidade. Não queria ouvir as pessoas dizerem o quanto lamentam, não aguento mais pêsames nem palavras de força.
Até porque, neste momento, eu já não estava a sofrer pela morte dele. Eu odiava-o. Eu nunca o perdoaria pelo que ele fez à minha mãe. Eu estava a sofrer pela minha mãe.
Tenho saudades da Susan. Ela tem-me enviado mensagens de força e eu nem lhe respondi. Preferia que ela não soubesse de nada. Queria poder falar com ela como dantes. Como se nada disto tivesse acontecido. Como se fossemos só duas miúdas caloiras e tontas que estavam nervosas por ir à primeira festa da universidade.
- Mãe, devias voltar para o salão - aconselhei-a, enquanto a via vestir-se depois do banho que a tive de obrigar a tomar. As olheiras dela estavam cada vez mais acentuadas. Ela já não se preocupava com a aparência, já não se maquilhava, não se arranjava. Eu entendia, mas não conseguia ver a minha mãe destruída desta maneira. Muito menos agora, que sei que o meu pai nunca mereceu ter uma mulher tão extraordinária como ela ao seu lado.
Ao lado da cama, estava o Knockles, entretido a roer os pés da mesinha de cabeceira dela, tão empenhado que parecia que a vida dele dependia do seu sucesso.
- Eu sei. Mas não tenho vontade - suspirou.
- Eu vou contigo e deixo-te pintar o meu cabelo. Até podes pintar de azul se quiseres!
Ela riu.
- És linda assim filha. Eu é que tenho de começar a ter os pés bem assentes na terra e deixar de sonhar. Já chega de sonhos estúpidos e ilusões na minha vida.
- Mãe, não digas isso!
- Não? Chloe, olha até onde os meus sonhos me trouxeram.
- Trouxeram-te para uma vida nova, numa casa linda, com a tua filha e o salão de cabeleireira que sempre quiseste! E um cão tonto que só sabe roer os teus móveis! Tu tens muito mais valor e muito mais força do que pensas mãe. Tu vais superar isto, tu mereces muito mais do que o que te está a acontecer agora! As coisas vão compor-se. Vais ver.
- Sim, tens razão! - respondeu, ligeiramente mais alegre.
- Boa mãe! E se fossemos antes as duas disfrutar do voucher que recebi no natal? Vamos as duas para o hotel, vamos para a piscina, vamos rir, divertir-nos, vamos a uma discoteca como duas adolescentes e dançar até de manhã! Vamos? - tive o cuidado de não referir "o voucher que o pai me deu". Decidi que não ia voltar a mencioná-lo, muito menos referir-me a ele como pai. Não fazia sentido. Um pai não faz o que ele fez. Não faz.
- Mas não tinhas combinado ir com o Noah?
- Sim, mas tenho a certeza que ele vai entender e encorajar-nos a ir. Vamos comprar as passagens?
- Sabes que mais? Porque não? Vou ligar à Meg e pedir para ela tomar conta do salão durante esta semana. Queres ir quando?
- Tenho de falar com o Noah. Ainda quero ir ver a Susan e estar um pouco com a Eleanor. Também tenho de lhe perguntar se ela não se importa de ficar com o Knockles durante essa altura. Ora... hoje é domingo... vamos na quarta e voltamos sexta? Assim ainda podemos desfrutar do fim-de-semana antes de voltarmos para a realidade. O que te parece?
- É como achares melhor Chloe. Obrigada pelo apoio filha, não sei o que seria de mim agora se não te tivesse aqui comigo - Abracei-a com toda a força que tinha, fazendo com que o Sr. Knockles tivesse um ataque de ciúmes e viesse tentar separar-nos aos saltos.
*
- Oh amor, claro que acho bem! Nós vamos ter tempo para fazer as nossas viagens e para namorarmos. Muito! - sorriu - Vai ser bom para vocês.
Estávamos no Lotus à espera da Susan, do Kevin e do Ryan, que vinha a chegar.
- Então Noah? - cumprimentou, dando-lhe palmadas nas costas.
- Como estás Chloe? - beijou-me docemente a testa, sentando-se ao lado do Noah, de frente para mim.
- Estou melhor. Obrigada - respondi, evitando o assunto.
- Olhem, tomei uma decisão importante, quero contar-vos antes que os outros cheguem - anunciou, aproximando a cabeça da mesa.
- Que decisão? - perguntou o Noah.
- Ontem voltei a ter dores horriveis durante a noite. Já não me consigo concentrar em nada. Eu sei que é arriscado, mas tenho pensado muito e eu até tenho alguma sorte. Eu vou arriscar na operação!
- Ryan... não sei o que dizer. Tens a certeza? - perguntei, receosa.
- Eu sei que as probabilidades são minimas. Mas viver assim não tem sentido. Estou sempre com medo, sempre inseguro, não consigo fazer nada porque tenho receio que me aconteça algo de um momento para o outro. Eu quero fazer isto.
- Tens o nosso apoio Noah. Certo Chloe? - olhou na minha direcção.
- Claro que sim. Vamos estar sempre a apoiar-te! Já foste ao médico? - perguntei.
- Sim.
- E para quando é que marcaram a operação?
- Daqui a sensivelmente dois meses. Provavelmente vou perder o ano, mas eu não me importo. Vou ter a vida toda para acabar o curso!
- Claro que vais. Tu és rijo! - Encorajei.
- E és um cabeça dura, por isso só pode correr bem! - gozou o Noah, fazendo com que nos ríssemos todos.
- Chloe! - aquele grito era-me familiar. Lá vinha a Susan aos pulinhos na minha direcção, largando a mão do Kevin.
- Olá Suse! - cumprimentei-a num abraço.
- Como estás? - perguntou.
Tsss, estou farta desta pergunta.
- Estou bem, a sério. Só queria que parassem de me perguntar isso - respondi.
- Desculpa. Olha, trouxe-te uns apontamentos, assim podes ir estudando enquanto não regressas às aulas! - disse, tirando uns cadernos da mala.
- Oh, obrigada. Se bem que não sei se me apetece estudar tão cedo - ri.
- Fica para quando tiveres vontade!
- Certo - respondi.
Passámos o resto da tarde por ali, ouvindo as teorias estranhas da Susan, o Kevin sempre a gozá-la e a deixá-la furiosa, o Ryan divertido a ouvir tudo isto, e o Noah com a mão por baixo da mesa agarrada à minha.
Perto da hora de jantar, o Ryan saiu sem justificação, deixando-nos preocupados. O Kevin e a Susan também foram, iam jantar a casa da avó dela, deixando-me a sós com o Noah.
- É tão bom ter-te ao meu lado - suspirei, encostando a cabeça no ombro dele - Não me fazes perguntas, não me pressionas, não me fazes sentir nada que não seja bom de sentir. Obrigada, por tudo.
- Eu quero deixar-te livre para sentires tudo o que tens de sentir agora. Não há nada que possa fazer para atenuar o que estás a sentir, só o tempo te pode ajudar agora. Até lá, vou estando aqui, fazendo tudo para que estejas minimamente bem - disse-me, fazendo-me festas no cabelo.
- Olá, Noah. Então, tiveste saudades minhas?
*
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Thank you. Chloe
RomanceChloe - Uma rapariga ruiva, inocente, feliz. A vida pregou-lhe várias partidas que ninguém deveria viver, mas ele estará sempre ao lado dela. Certo?