Capítulo VIII - Knockles

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O Noah conduziu o carro durante imenso tempo. Eu não conhecia bem esta nova cidade, e não fazia ideia para onde ele me estava a levar. Sei que subimos uma estrada e ele finalmente parou, num sítio muito escuro.

- Noah, acho que estás confuso. A minha casa não é aqui - gozei.

- Eu sei tonta. Anda - disse ele, abrindo a porta.

- Hum. Tenho medo. Está escuro. Não me parece nada boa ideia - respondi, olhando pela janela.

- Eu estou aqui contigo. Não tens razões para ter medo. Anda! - insistiu.

Eu hesitei, mas acabei por sair.

Ele foi ao porta-bagagens e tirou de lá uma manta. Aproximou-se de mim, agarrou a minha mão e fez sinal para que o seguisse.

Estávamos rodeados de árvores por todo o lado. A noite era cerrada, a única luz que iluminava o nosso caminho era a da lua. O Noah não estava preocupado. Parecia conhecer o caminho de cor.

Segui-o em silêncio, receosa, olhando em volta.

Ele parou de repente, pôs-se à minha frente e olhou para mim.

- Chegámos - sorriu.

- Chegámos onde?

- Olha - disse, afastando-se da minha frente.

Uau.

Estávamos mesmo num sítio mágico.

Dali, viam-se todas as luzes da cidade. Era uma paisagem linda, calma, pacífica. Era provavelmente o ponto mais alto da cidade, embora afastado. Era uma zona rodeada de árvores, com arbustos espalhados aleatoriamente. Tinha um banco de pedra mesmo no limite daquele cume.

- É lindo Noah! - sorri para ele.

Ele sorriu-me de volta e esticou a manta no chão. Sentou-se, e bateu com a mão ao lado dele, pedindo que me sentasse e assim fiz.

Ficámos a contemplar aquela paisagem urbana, nocturna. Era incrível. O silêncio não era incómodo. Sentia-me feliz, completa, sem medos. Suspirei e encostei a cabeça no ombro dele.

- É para aqui que venho quando me sinto triste - disse ele.

- Sentes-te triste muitas vezes? - perguntei.

- Não. Hoje não - sussurrou.

Ri-me.

- Desculpa Chloe.

- O quê? - perguntei, ainda com a cabeça no ombro dele.

-Eu fui mau para ti. Desde o início. Tu não merecias isso. Mas és tão parecida que isso me incomodava. Demais.

- Parecida com quem? - arrisquei perguntar. Eu sabia que havia algo mal resolvido na vida dele.

Ele não respondeu logo. Procurei a mão dele e agarrei-a com força.

- Com alguém que me fez muito mal no passado. Eu achava que já tinha ultrapassado isso. Mas quando te vi, voltou tudo. As memórias, a dor, a revolta. Culpei-te por existires. Por seres tão parecida. Por teres esse olhar que só me faz querer perder-me nele. Céus, o teu olhar. Esse é diferente. É único.

- Somos assim tão parecidas? - perguntei enquanto brincava com os dedos dele.

- Cada vez mais vejo que não. O teu sorriso, a tua inocência, a tua visão das coisas. Tu és muito diferente. És tudo o que eu precisava agora. Transmites-me paz.

- É. E sou muito mais bonita também - ri, tentando que a conversa amenizasse um bocado.

Ele afastou a minha cabeça do seu ombro e olhou-me nos olhos.

- Claro que és. Mais bonita, mais mulher, mais humana, mais... tudo - disse, quase como se me estivesse a ralhar, enquanto me agarrava no queixo. Os olhos dele estavam brilhantes, tristes.

- Eu adoro que penses isso tudo a meu respeito Noah. Mas eu não te quero desiludir, e a verdade é que tu não me conheces assim tão bem. Eu não sei o que te fizeram no passado, mas só posso garantir-te que não te faria mal, que não te magoaria, pelo menos não intencionalmente, e muito menos de uma forma que te deixasse nesse estado - respondi.

Ele largou o meu queixo e apoiou os braços nos joelhos, enquanto fitava os pés.

- Daquela maneira mais ninguém me vai magoar - disse.

Ficámos algum tempo em silêncio. Só queria perguntar o que essa rapariga lhe tinha feito de tão mau. Mas não podia. Eu sabia que ele não ia falar mais. Sabia que isto o magoava demais. Um dia, se ele quisesse, eu estava pronta para o ouvir. Até lá, ia fazer tudo para o ver sorrir.

- Anda cá - disse ele, enquanto se deitava de barriga para o ar, com um braço atrás da cabeça.

Deitei-me no peito dele, enquanto olhávamos para o céu. Ele pousou o outro braço à minha volta e apertou-me junto ao corpo dele. Era bom, era tão bom. Sentia borboletas na barriga, é mesmo real. Sentia-me feliz, só queria gritar ao mundo inteiro como é bom estar ali, próxima dele, sentir-me protegida, tão protegida que o mundo inteiro podia cair em cima de mim que nada de mal me poderia acontecer enquanto estivesse presa no seu abraço.

O céu estava incrivelmente estrelado. Não havia uma única nuvem. O tom era tão escuro, quase negro, que contrastando com a luz das estrelas nos dava uma visão magnifica.

- Estás a ver aquela estrela, do lado direito da lua? - perguntou ele.

- Sim.

- É o Knockles - respondeu.

- O Knockles?

- Sim - riu - Quando tinha uns seis anos, o meu melhor amigo morreu. Era um pastor alemão lindo, grande, orelhudo. Fazia tudo com ele. Acompanhou-me em todas as minhas aprendizagens, todas as minhas fases menos boas. Bom, as que se têm naquela idade. Ia sempre comigo quando eu tentava aprender sozinho a andar de bicicleta. Quando caía não me deixava desanimar, vinha todo contente para perto de mim e lambia-me a cara toda. Dividia o almoço com ele, até comíamos gelados juntos. Então, quando ele morreu, a minha mãe disse que o Knockles era uma estrela. A estrela que está mais perto da lua, do lado direito. Quando ela não aparecia, a minha mãe dizia que era porque o Knockles estava a caçar um rato extraterrestre e ainda não tinha voltado. - soltou uma gargalhada.

- Isso é tão querido Noah - sorri.

- Eu desconfiava daquela história, mas fazia-me sentir melhor. Então quando cresci, comecei a vir para aqui, para ver o Knockles mais de perto.

Viste? - perguntamos os dois ao mesmo tempo, enquanto uma estrela cadente atravessava o céu.

- Se calhar não devias desconfiar da história que a tua mãe te contou. Acho que isto foi um sinal para não deixares de acreditar - sussurrei.

- Talvez - sorriu ele.

- Gosto muito de ti Noah - disse, enquanto o abraçava, ainda com a cabeça no peito dele. Não me queria afastar. Só queria estar ali, assim, para sempre. Só precisava disto para ser feliz.

- Eu também gosto muito de ti, Cinderela - respondeu, enquanto me beijava a cabeça.

Ficámos ali, sem pensar em mais nada. Só queríamos disfrutar daquele momento, aproveita-lo ao máximo, ignorar a realidade para a qual, mais cedo ou mais tarde, iríamos ter de voltar.

Só eu, o Noah e o Knockles.

Thank you. ChloeOnde histórias criam vida. Descubra agora