Capítulo IX - Pesca

129 4 0
                                    

Eram perto das duas da manhã quando o Noah me deixou em casa.

Foi uma noite mágica, e eu não queria nada ter de dizer adeus.

Acho que estava com medo que no dia seguinte as coisas mudassem, ou que tudo não tivesse passado de um sonho bom.

O Noah parou o carro à porta de minha casa e ficou a olhar para mim.

- Não quero ir - disse, enquanto ele me agarrava a mão.

- Porquê? - perguntou.

- Porque tenho medo que cumpras o que disseste, e que amanhã ou segunda volte tudo ao mesmo. - respondi.

Ele apertou a minha mão com mais força.

- Isso não vai acontecer Chloe. Eu não vou voltar a ser desagradável contigo - garantiu-me.

- Prometes? - perguntei, esticando-lhe o meu dedo mindinho.

- Prometo Cinderela - sorriu, entrelaçando o dedo mindinho dele ao meu.

Saiu do carro e veio até ao meu lado, abrindo-me a porta.

- Estás entregue - disse, enquanto me ajudava a sair do carro.

- Boa noite Noah - despedi-me, enquanto me dirigia para o portão.

Ele puxou o meu braço, fazendo com que quase chocasse com o seu peito.

- Não será de certeza, sem um beijo de boa noite - sussurrou, enquanto apoiava a mão na minha cara e aproximava a boca da minha.

Foi um beijo demorado, sem pressas, sem urgências. Como se tudo à nossa volta tivesse deixado de existir e só fossemos só os dois.

Quando se afastou de mim, olhou-me com aqueles olhos cor de avelã que faziam arrepiar cada centímetro do meu corpo.

- Dorme bem Cinderela - voltou a sussurar, enquanto me fazia festinhas na cara.

Entrou dentro do carro e abriu a janela.

- Vemo-nos amanhã? - perguntou sorridente.

- Como, se nem tenho o teu número? - ri.

- Eu encontro-te - respondeu, piscando-me o olho.

Aguardou que entrasse em casa e ouvi o carro afastar-se.

Fui à dispensa, peguei num pacote de bolachas de chocolate que a minha mãe não se esqueceu de comprar e segui para o quarto.

Pousei a mala no bengaleiro que tinha à entrada e atirei-me de costas para a cama. Abri o pacote de bolachas e recordei cada palavra, cada gesto e cada sensação desta noite.

Foi a melhor noite da minha vida.

*

Acordei em sobressalto. O meu pai estava sentado aos pés da minha cama, a olhar fixamente para mim.

- Pai? Credo! - gritei, enquanto esfregava os olhos.

- Desculpa, não te queria acordar - disse ele.

- Tudo bem, não faz mal. Que horas são? - perguntei, sentando-me na cama.

- Perto das três - respondeu, consultando o relógio.

- Então e não me acordaram para almoçar?

- A tua mãe teve uma emergência no salão. Acho que uma noiva em pânico. - sorriu.

- Hum.

- E também te quis deixar descansar. Chloe, eu...

- Pai, a sério, não me apetece mesmo falar sobre isso - respondi, antevendo que ele iria falar do almoço do dia anterior.

- Tudo bem. Só te quero dizer que tens razão, eu ando demasiado ausente. Não tinha consciência de como isto te estava a afectar. A ti e à tua mãe, claro. Mas entende que estou com muita responsabilidade em cima. Com o tempo as coisas vão acalmar. E estava a pensar em ter um dia de pai e filha contigo hoje! - disse, num tom sugestivo.

- Um dia de pai e filha? E o que tens em mente?

- Vamos à pesca! - respondeu, num tom decidido.

Desatei-me a rir.

- À pesca pai? Nós vivemos no interior, o mar é a milhares de quilómetros daqui! E não pescamos desde os meus sete anos, já nem sei como se faz!

- Mas há um rio relativamente perto! E é como andar de bicicleta, nunca se desaprende!

- Pai, sabes bem a teoria da mãe sobre cozinhar peixes de rio.

- Mas quem é que falou em cozinhar? Devolvemo-los ao rio de novo. É pesca desportiva! - riu.

- É um bocado sádico para os peixes pai. - censurei.

- Veste-te e come qualquer coisa! Eu vou buscar as canas e os coletes à garagem! - e saiu animado do quarto.

Ok. Pesca. Vamos lá a isso.

Comi o resto das bolachas e fui vestir-me.

*

- Pai, este barco não me parece nada seguro - reclamei, enquanto ele remava arduamente para o centro do rio e o barco abanava por todo o lado, deixando entrar água.

- Não quero que o nosso dia seja cheio de luxos. Um barco a remos é mais que suficiente.

Ele estava a fazer um esforço e resolvi não protestar mais. A verdade é que o barco que ele alugou era de uma madeira duvidosa, e apesar de estar sol, não estava calor, e não me apetecia nada ir parar à água.

Ele estava tão engraçado, parecia um turista. Calções brancos com flores havaianas verdes e uma camisa do mesmo tom verde. Pôs um chapéu típico de um pescador, com uma imitação de um anzol de lado. Isto associado ao esforço dele a remar era uma das imagens mais cómicas que tenho do meu pai.

- Pronto, este sítio é perfeito. Preparada? - perguntou entusiasmado.

-Sempre!

Lançámos as canas, prendemo-las no barco e aguardamos.

- Chloe?

- Sim pai?

- Não tenho sido um bom pai pois não?

- Oh pai. Tu és um bom pai. Aliás, és o meu pai, o melhor do mundo. Só andas demasiado ausente e isso magoa-me. Sinto a tua falta.

- Desculpa Chloe. A última coisa que quero é desiludir-te. És muito importante para mim!

- Eu sei pai. Adoro-te. Sabes disso certo? - sorri.

Ele aproximou-se de mim e deu-me um abraço apertado. Soube tão bem ter o meu pai de volta, sentir aquele carinho que não tinha há demasiado tempo, nem que fosse apenas por umas horas.

- Chloe! - exclamou.

- O que foi? - respondi assustada

- A tua cana! Está a mexer! É um peixe, e pela força deve ser dos grandes!

Corremos os dois para a cana e a custo tentamos puxar. O barco balançava cada vez mais a cada tentativa de trazermos o peixe, era teimoso e forçava a linha no sentido oposto. De repente, sem estarmos à espera, a cana deu um puxão valente, o barco virou, e quando demos por nós, estávamos dentro de água.

Ficámos uns segundos a olhar um para o outro e desatamos a rir.

- Grande peixe hum? - ironizou ele entre risos.

Ajudei-o a virar o barco, nadámos para apanhar os remos e subimos para o barco.

- Pai, definitivamente nós não temos jeito nenhum para isto - gozei.

- É, concordo contigo. Vamos voltar para terra. Trocamos de roupa em casa e depois vamos comer qualquer coisa! - riu.

Era bom ouvir o meu pai rir. Principalmente, era bom estar com ele sem sermos interrompidos pelo telemóvel dele, sem as conversas aborrecidas dele sobre a empresa.

Era bom quando ele deixava de ser o Dr. Smith e se dedicava a ser só o meu pai.

Thank you. ChloeOnde histórias criam vida. Descubra agora