Capítulo 2 - Sangue ruim

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Era mais um bate-boca entre crianças - mas quem pode ser tão cruel quanto as crianças? Na hora, não entendi do que Draco Malfoy havia me xingado. Foi só depois, na cabana de Hagrid, enquanto estávamos esperando que Rony parasse de cuspir lesmas, que ele me explicou o que significava.

Hagrid se sentiu ultrajado, e me disse para não ligar para isso, tentando disfarçar que estava tremendo de indignação. Percebi que ele e Rony ficaram muito incomodados, como se uma criança falasse algo na mesa de jantar e não entendesse porque os adultos ficaram nervosos, mas percebesse que havia dito algo proibido. O sentido da expressão escapava tanto a mim quanto a Harry, já que fomos criados como trouxas, e não conhecíamos até então o significado de sangue ruim.

Com doze anos, por mais madura que eu fosse, não conseguiria entender a profundidade daquele xingamento, e tenho certeza de que Draco também não o compreendia. Só estava repetindo uma expressão habitual com a qual havia sido criado, algo que herdou junto com os preconceitos da sua família, uma expressão que tinha um efeito imediato, como um palavrão.

Ele não sabia direito como me ferir, era um aprendiz nessa estranha arte, e na hora eu não sangrei. A expressão sangue ruim ficou alojada dentro de mim como um feitiço irreversível, e foi destilando seu veneno à medida que o tempo passou.

Não era o tipo de palavra que eu encontrava nos livros didáticos ou nos de referência que costumava consultar. Na biblioteca, encontrei-a nos livros de História Bruxa que buscavam explicar as lutas pela supremacia no mundo bruxo, com o discurso de submissão dos trouxas avançando e regredindo através das épocas, como ondas em uma praia.

Eu havia estudado sobre o holocausto quando ainda estava na escola trouxa, antes de Hogwarts, e li o diário de Anne Frank. Sangue ruim era uma expressão suja, mordaz, como a palavra "judeu" cuspida por um nazista. Era a síntese de ideias supremacistas e fascistas, a melhor das sínteses, concentrada no pequeno slogan de duas palavras.

Pensando cientificamente sobre o assunto, de um ponto de vista evolutivo é praticamente impossível, ou pelo menos altamente improvável, que não haja casamentos entre os bruxos nascidos trouxas, ou sangues ruins, e os bruxos de sangue puro, descendentes de famílias tradicionais bruxas.

Na genealogia bruxa, é possível identificar os ramos "impuros" das famílias de sangue puro pelos seus descendentes que abandonam a tradição e se casam com bruxos nascidos trouxas. Com raras exceções (a família Malfoy era uma delas, integrando o grupo das vinte e oito famílias consideradas de sangue puro), os bruxos tendem a se misturar com bruxos nascidos trouxas ou mesmo com trouxas, o que, do ponto de vista genético, é o correto a ser feito.

Na prática, acabava sendo quase impossível identificar um ancestral sangue ruim muito distante, mesmo pelos mais ferrenhos defensores da ideologia do sangue puro. Muitos bruxos que compartilhavam dessas ideias se esforçavam para ocultar suas origens familiares duvidosas. É o caso do próprio Voldemort, cujo pai era trouxa.

Mas essa reflexão viria apenas mais tarde. No momento, tinha problemas mais práticos com que lidar, pois estava tentando junto com Harry e Rony descobrir sobre os ataques que estavam acontecendo em Hogwarts pelo autoproclamado herdeiro de Slytherin.

Aprendi logo que a questão do herdeiro estava ligada com os sangues ruins. Draco Malfoy não se furtava a anunciar isso com certa satisfação, dizendo que o herdeiro de Slytherin voltou para acabar com os sangues ruins. Harry tinha certeza que Draco, se não estava envolvido, ao menos sabia de algo - por isso, eu tive a ideia de usar a poção Polissuco para tentar extrair informações dele.

Numa perspectiva científica, pode-se dizer que o experimento foi bem sucedido, uma vez que eliminou algumas hipóteses. A mais ingênua delas era a de que Malfoy poderia estar articulando os ataques, no que eu nunca acreditei, pois não achava que ele teria competência para isso. Era algo maior, que envolvia um tipo de magia das trevas que nós desconhecíamos.

Wannabee | dramioneOnde histórias criam vida. Descubra agora